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"Operação Tempestade de Al-Aqsa", entre religião, território e o genocídio

  • Foto do escritor: Siqka
    Siqka
  • 1 de ago. de 2024
  • 4 min de leitura

No dia 7 de outubro de 2023, as Brigadas Izz ad-Din al-Qassam, braço armado do Hamas, lançaram a "Operação Tempestade Al-Aqsa". Mas o que esse nome quer dizer e qual a sua importância simbólica e religiosa para a resistência armada palestina?

 

Por séculos, a Palestina e a religião estiveram entrelaçados no imaginário histórico e de fé do monoteísmo. Porém, a questão vai além do sagrado e do profano; trata-se de identidade, espiritualidade, resistência e, principalmente, território.

 

Para entender o contexto, precisamos olhar para a "legitimidade" de posse da terra baseada em conceitos religiosos. Todas as cidades palestinas se enquadram nesse contexto, mas tomemos Jerusalém, Al-Quds para os árabes, como exemplo. Jerusalém foi o primeiro lugar para onde os muçulmanos dirigiram suas orações quando o islã começou a ser difundido no século VII. Al-Masjid Al-Aqsa – a Mesquita Mais Distante – é um ponto de convergência de fé e história.

 

Segundo a tradição islâmica, Jerusalém foi o destino de uma jornada noturna do Profeta Muhammad em 621 d.C., onde ele foi transportado da Mesquita Sagrada em Meca para a Mesquita Al-Aqsa em Jerusalém, montado em um Buraq, uma criatura celestial com corpo de cavalo e asas de águia. Durante essa jornada, Muhammad também visitou o Monte Sinai, onde Allah revelou a Torá a Moisés, e Belém, cidade do nascimento de Jesus. No final da jornada, Muhammad ascendeu aos céus do local onde se ergue o Qubbat al-Sakhrah (Domo da Rocha), um dos mais antigos e importantes edifícios islâmicos.

 

Para os judeus, a importância religiosa recai sobre o Muro das Lamentações, remanescente do Templo de Salomão, construído quase mil anos antes de Jesus e destruído pelos romanos. Além disso, Jerusalém é associada à figura de Davi, que a conquistou por volta de 1000 a.C., estabelecendo-a como a capital unificada de Israel. Segundo a tradição judaica, Jerusalém também é o local do Monte Moriá, onde Abraão demonstrou sua obediência a Deus ao quase sacrificar seu filho Isaac.

 

Para os cristãos, Jerusalém é sagrada devido à jornada de Jesus Cristo, cenário de seus últimos dias.

 

“Para cristãos, a cidade é cenário dos últimos dias de Cristo. Aqui fica a Via Dolorosa – caminho que Jesus percorreu para a crucificação. Jesus também tem uma história com o Templo; de acordo com a Bíblia foi no segundo Templo de Salomão que o profeta expulsou os vendilhões e cambistas. Outro local sacro é a Gólgota, a colina onde Jesus foi crucificado. João afirma em seu Evangelho que o calvário estava situado nos arredores de Jerusalém, mas evidências arqueológicas recentes sugerem que o Gólgota fica a uma curta distância dos muros da Cidade Velha, justamente na área da Basílica do Santo Sepulcro, local de peregrinação cristã pelos últimos dois mil anos.” (Emidio & Siqueira, 2023)

 

 




Ao longo dos séculos, Jerusalém tem sido um centro de peregrinação e oração para judeus, cristãos e muçulmanos, mas também o palco para muito derramamento de sangue. Ao que parece, a única coisa que as três grandes religiões monoteístas concordam entre si é que a cidade ainda tem um papel para desempenhar nos últimos dias da humanidade com retorno do Messias.

 

Entender essa complexa interseção de política, ideologia e religião revela a magnitude da disputa em torno da cidade. Ao longo dos milênios, poucas cidades no planeta foram tão disputadas quanto Jerusalém. Seus muros antigos presenciaram 23 cercos pelos babilônios e cruzadas europeias, além de inúmeros conflitos entre os reinos de Israel e Judá, guerras macabeias contra o Império Selêucida e confrontos entre cruzados e muçulmanos. Jerusalém foi invadida cerca de 52 vezes por egípcios, assírios, persas e conquistada por figuras históricas como o rei Davi, impérios como o babilônico e romano, o califa Umar ibn al-Khattab, cruzados, Saladino, otomanos e, para completar a lista, pelo Império Britânico, que a entregou aos imigrantes judeus europeus.

 

Foi com base na importância religiosa atribuída a Jerusalém que, em 29 de novembro de 1947, a ONU propôs a criação de um regime de corpus separatum. Esse plano sugeria que a cidade fosse administrada internacionalmente por dez anos, seguidos de um plebiscito para definir sua administração futura. A Resolução 181 da ONU destacava a necessidade de respeitar os aspectos religiosos da cidade, assegurando liberdade de culto, acesso e trânsito para residentes e cidadãos de todas as nacionalidades sem discriminação; papo furado. Na prática, os imigrantes judeus, que representavam 32,95% da população na época, tomaram quase toda Palestina – sendo importantes para sua religião ou não –, até que por fim expandiram seus tentáculos até Jerusalém.



19 de maio de 2023. Ataques sionista contra muçulmanos na Mesquita Al-Aqsa, Jerusalém, Palestina

 

Deixando de lado o contexto religioso e o foco em Al-Quds (ou Jerusalém), vamos entender a encruzilhada geoestratégica em que a Palestina se encontra. Este território é estratégico por conectar África e Ásia e por sua costa portuária no Mediterrâneo. Desde que os muçulmanos conquistaram a Palestina em 638 d.C., o território se consolidou como um bastião do Islã e um símbolo de resistência. As incursões militares para tomar a cidade foram constantes ao longo da história. Desde a Guerra dos Seis Dias em 1967, os sionistas invadiram Jerusalém e declararam-na como sua capital. Em 2018, o Knesset aprovou uma lei transformando Israel em um Estado-nação exclusivamente judeu, com o hebraico como idioma oficial e Jerusalém unificada como sua capital.

 

Desta forma, a disputa pela Palestina é uma disputa territorial disfarçada de fervor religioso, onde os sionistas modernos, com a bênção dos poderes ocidentais, usam a religião como escudo para legitimar uma ocupação brutal e contínua. A resistência palestina, exemplificada pela "Operação Tempestade Al-Aqsa", é mais do que uma luta pela terra ou um grito de guerra religioso; é uma batalha pelo direito e liberdade para existir, uma rejeição feroz ao colonialismo disfarçado de divindade e um grito ensurdecedor pela autodeterminação que ressoa além das barreiras impostas pela força militar.

 

@ Simon Lovi - Al-Aqsa, Jerusalém, Palestina
 
Referências

Chehab, Z. (2007). Inside Hamas: The Untold Story of Militants, Martyrs and Spies. Nova York: IBTauris & Co Ltd.

Elon, Á. (1992). Jerusalém a cidade dos espelhos. São Paulo: Saraiva.

Emidio, D., & Siqueira, L. (2023). À procura da Terra Santa. Guarujá, São Paulo, Brasil: Clube de Autores.

Hroub, K. (2006). Hamas: A Beginner’s Guide. London: Pluto Press.

Reichert, R. (1972). História da Palestina: dos primórdios aos nossos dias. São Paulo: Editora Herder.


 

 

 

 

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