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Foto do escritorSiqka

A santidade da terra palestina

"Nossa família palestina! Allah nos colocou no caminho das oliveiras palestinas; elas nos receberam com o acolhimento e grandeza que só as grandes árvores podem oferecer. Tivemos o privilégio de ajudar a cuidar da terra mais amada do mundo e, trabalhar de corpo, mente e alma nesse campo foi o presente mais inspirador dessa viagem! Obrigada grandioso Allah por me trazer aqui e me fazer reconhecer os teus sinais." Diana Emidio

 



Queria muito participar de uma manifestação e ver de perto, quem sabe registrar, a violência dos soldados israelenses no violar do direito de reunião e manifestação dos palestinos. No entanto, ontem quando nos aquecíamos na fogueira de Abu Khaled, ele nos convidou para o acompanharmos na tarefa de cuidar da terra e das oliveiras. Ele confessou que momentos como esse são difíceis, pois sabe da necessidade de lutar e se manifestar, porém, o único filho que ficou em casa tem apenas 13 anos, e nessa fase os jovens, principalmente os meninos, ficam inflamados com os movimentos de resistência e acabam se colocando em risco. É realmente uma fase perigosa. Por isso, toda vez que acontece algo assim, ele levava seus filhos para cuidar da terra, assim ocupava suas mentes e os mantinha longe das agressões. Entendendo bem o que Abu Khaled estava dizendo e até concordando sem ressalvas, decidimos ir junto para a terra e ver a Palestina como ela deveria ser se não houvesse um regime de ocupação.

 

Carregamos o carro com água, ferramentas, alguns produtos para combater os insetos que atacam as oliveiras e algumas comidas. Peguei meu boné do MST e minha hattah (como os palestinos chamam a keffiyeh) e lá fomos nós com nossa família palestina.

 

Falando de terra, Palestina e MST, gostaria de contribuir com uma informação a este diário. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é visto pela direita como um movimento “terrorista”; quanto a isso não vou entrar no mérito da questão, afinal não é bom dar palco para louco. O que poucos sabem é que o MST defende a luta camponesa também além das fronteiras brasileiras. Em 2002 a Via Campesina esteve em Ramallah, enquanto a Mukata´a e Yasser Arafat estavam sob bombardeio israelense. Desde então os “sem terras” brasileiros intensificaram suas relações com os movimentos populares na Palestina. Entre 2010 e 2011 o MST chega à Palestina com a decisão de ajudar a construir o processo de filiação da União dos Comitês de Trabalho Agrícola (UAWC) à Via Campesina.

 

[...] Estivemos nesse período na Palestina, e tivemos condições de acompanhar todo esse processo de integração da UAWC na Via Campesina, fato ocorrido em 2013, na IV Conferência Internacional da Via Campesina, em Jacarta, Indonésia. Entre 2010 e 2013 o MST e a Via Campesina emitiram comunicados defendendo o “direito do povo palestino de lutar por todas as suas terras, sejam as ocupadas em 1948, em 1967 ou mesmo depois dos Acordos de Oslo (1993/1994)”. Buzetto, 2018

 

No campo de oliveiras, a Ruayda e a Di acenderam uma fogueira para preparar o café da manhã. Enquanto isso, eu e Abu Khaled fazíamos a poda de algumas árvores e Ayman jogava o pesticida. Preparado o café, nos sentamos para comer embaixo da sombra de uma das oliveiras. Aproveitando os pães com azeite e zatar e outras delícias típicas das produzidas na região conversamos muito sobre a terra e os cuidados para com ela.

 

À nossa frente estava outro morro com mais oliveiras, onde outra família fazia o mesmo que nós: tomava seu café da manhã enquanto se preparava para um dia de trabalho. Por ver as crianças ao longe, entendi que eles estavam ali pelo mesmo motivo que Abu Khaled me falou ontem: para evitar que os jovens se colocassem em posição de perigo frente às manifestações que estavam acontecendo por todo país.

 

Olhando para aquelas árvores fiquei pensando quanto tempo demoraria para que também fossem arrancadas da terra para construção de novos assentamentos ilegais de colonos estrangeiros. Fiquei pensando quanto tempo demoraria para que Abu Khaled e Ayman não tivessem mais oliveiras para cuidar.

 

Deixando os pensamentos ruins de lado e com a barriga cheia, era hora de trabalhar. Juntamos as coisas e fomos todos pegar no pesado. Começamos a poda de baixo para cima, este não é um trabalho fácil. Me lembrei que o MST organiza também a Brigada de Solidariedade Ghassan Kanafani, na qual reúne grupos de trabalho voluntário durante o período de colheita de azeitonas na Palestina. Quando lembrei disso estava em cima de uma árvore com a Di; contei para ela sobre esse movimento e sorri dizendo: vou sugerir ao MST que venha da próxima vez no período de poda das árvores, isso é que é trabalho duro!

 

Já faz um tempo, eu escrevi sobre as oliveiras de Kobar. Durante a pesquisa desse material naveguei com os satélites do Google até aqui para entender a geografia da região, vi fotos, li documentos e muitas outras coisas para alimentar minha percepção. Aqui, carregando os galhos podados para uma fogueira vejo como é bem diferente. Sinto o cheiro das árvores, sinto o calor da fogueira, procuro uma sombra larga para me esconder do sol, o verde que via pelas fotos é diferente. Tudo, presencialmente, é bem melhor e muito mais bonito, sei que vou sentir saudades, não só do local, mas dessa família maravilhosa que nos adotou.

 

O dia que começou cedo foi de trabalho duro, minhas mãos estão ambas machucadas de espinhos, minhas costas doem e meus joelhos parecem não aguentar mais meu corpo. Mas posso dizer que estou realizado e feliz. Hoje eu entendi o valor dessa terra para os palestinos. Entendi que a santidade não está nos velhos templos bíblicos, a santidade está em um pai, uma mãe e um filho trabalhando juntos no campo. Acho que encontramos parte do que viemos buscar.

 

Nota: Como mochileiro já expliquei que sou desenraizado e não me sinto verdadeiramente ligado à terra que nasci, talvez porque nunca tivesse trabalhado nas oliveiras de São José dos Campos. Mas consegui entender que a relação dos palestinos com sua casa, suas terras e suas oliveiras é algo que transcende a imaginação.

 

“O colonialismo israelense será derrotado, pois é impossível subjugar e oprimir um povo para toda a vida. A Palestina é, hoje, o nosso Vietnã, e de lá retiramos a energia necessária para levar a justiça a todos os rincões de nosso planeta. A luta do povo palestino nos alimenta com a ousadia e a resistência de quem nunca teve medo de defender sua pátria, sua terra e seus princípios e valores.” Buzetto, MST, 2018.


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