Adham Al Hajjar: a repressão contínua contra jornalistas na Faixa de Gaza
No dia 6 de abril de 2018, durante as manifestações na Faixa de Gaza, Adham Al-Hajjar foi para o trabalho carregando o capacete e o colete à prova de balas, como se estivesse se preparando para o campo de batalha. Adham não era um soldado, mas sim um jornalista.
Chegando ao local onde os manifestantes se reuniam, Adham testemunhou uma cena que chamou sua atenção. Um palestino com deficiência avançou em direção a um dos portões do checkpoint agarrando as grades e puxando com a determinação de quem parecia capaz de arrancá-lo com as mãos. O olhar perspicaz do fotógrafo capturou o simbolismo inerente à cena, que como toda comunicação não-verbal, representava um pedaço da luta de cada palestino ali presente. Esse seria o momento para seu primeiro clique, mas antes que ele pudesse agir, outro clique foi disparado.
Adham foi atingido na perna. Seu corpo se contorceu, levando o jornalista ao chão antes mesmo de conseguir retirar sua câmera da bolsa. A dor e o impacto foram tão avassaladores que ele desmaiou. Quando recobrou a consciência, estava dentro de uma ambulância, ainda em estado de choque.
“A dor e o impacto foram tão fortes que pensei que tinha perdido a perna. A bala entrou entre os ossos e rompeu todos os tendões e a musculatura. Desmaiei de dor, só acordei na ambulância, a todo momento eu perguntava aos paramédicos onde estava minha perna, perguntava se eles pegaram a minha perna, ficava pensando o que seria da minha vida, da minha profissão?” Adham al-Hajjar, 2022. [26]
O período de manifestações semanais na Faixa de Gaza, entre o início de 2018 e meados de 2019, ficou marcado como um dos eventos mais catastróficos na história recente da Palestina. Centenas de vidas perdidas e outras ainda afetadas por mutilações, ferimentos e pessoas novamente desabrigadas, sem mencionar os danos à infraestrutura e aos serviços básicos de distribuição de energia e água que deixaram cicatrizes profundas na população prisioneira em Gaza. Para Adham, uma única bala redefiniu o curso de sua vida e anulou todos os planos que havia feito para o futuro.
As medidas tomadas por Israel, praticados pelas IOF e autorizados pelo Ministério da Defesa, geraram repulsa na comunidade internacional. O principal representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra'ad Al Hussein, exortou Israel a garantir que suas forças de segurança não recorressem ao uso excessivo de força durante as manifestações em andamento. Mais uma vez, Israel rejeitou todas as acusações e saiu novamente impune dos crimes de lesa-humanidade.
“A perda de vidas é deplorável, e o número impressionante de ferimentos causados por munição real apenas confirma a sensação de que força excessiva foi usada contra os manifestantes, não uma, nem duas, mas repetidamente.” Zeid Ra'ad Al Hussein, 2018. [27]
Em seu pronunciamento, Zeid alertou que caso não houvesse investigações para responsabilizar e processar os culpados pelo crescente número de mortos e feridos, a situação se agravaria e estenderia com incontáveis outros casos de violações aos direitos humanos. – O Alto Comissário não poderia estar mais certo. Os soldados israelenses estavam atirando desenfreadamente em manifestantes palestinos que não representavam risco a segurança de Israel. Mesmo com a queima de pneus e o arremesso de pedras ou coquetéis molotoves, segundo Zeid, lançados de uma distância significativa contra forças de segurança altamente protegidas em posições defensivas, não poderiam constituir uma ameaça que justificasse o uso de munição real contra os manifestantes.
“O fracasso de Israel em processar consistentemente as violações cometidas por membros de suas forças de segurança os encoraja a usar força letal contra seus semelhantes, seres humanos desarmados, mesmo quando não representam ameaça.” Zeid Ra'ad Al Hussein, 2018. [27]
As preocupações emitidas pela ONU fizeram soar o alarme, mas nem todos da comunidade internacional concordavam com as denúncias. No Parlamento do Reino Unido, a Iniciativa de Amigos de Israel (Friends os Israel Initiative - FOLL) organizou um evento para apoiar o uso de munição real contra palestinos desarmados. A manifestação de natureza hedionda da FOLL, contra os “combatentes palestinos” não foi nenhuma surpresa se considerada que, mesmo estando no Oriente Médio, a organização tem motivações baseadas “na firme convicção de que Israel faz parte do mundo ocidental” – como se isso soasse como um alvará para cometer crimes de guerra contra os povos bárbaros do oriente. [28]
No Parlamento, o grupo, que se autodeclara “preocupado com o avanço do islamismo radical”, afirmou que é um direito do Estado israelense se “defender” usando munição real contra os “alvos legítimos”, no caso, palestinos desarmados. Outras alegações, tão ou mais absurdas do que já haviam sido proferidas, ecoaram pelos corredores do Parlamento Britânico.
Na contramão de todos os relatórios internacionais, Richard Kemp, coronel aposentado do exército britânico, expressou na Câmara dos Comuns sua convicção de que o exército israelense salvou milhares de vidas de civis inocentes na cerca de Gaza. – Não se sabe baseado em quê, nem de onde ele tirou essa falácia.
Kemp já é uma figura conhecida por defender publicamente o direito ocidental de massacrarem outros povos. Em outra ocasião, criticou os esforços do exército britânico para promover maior diversidade étnica e de gênero. Em um artigo publicado pelo The Times, ele condenou o parlamentar por estigmatizar todos os jovens muçulmanos como “terroristas em potencial”. Em entrevista ao Belfast News Letter, Kemp expressou preocupação com as investigações de crimes históricos, afirmando que é “óbvio que alguns soldados cometem erros, é claro, mas há uma diferença muito clara entre eles e os terroristas. Os soldados se comprometem a cumprir a lei, enquanto os terroristas se dedicam a mutilar e assassinar. Eles devem ser tratados de forma diferente.”
Em 2015, durante uma entrevista ao The Jewish Post, Kemp afirmou: “Não estou sugerindo que todos os muçulmanos sejam extremistas ou apoiem a violência e o terrorismo. Mas o que eu diria é que a esmagadora maioria dos muçulmanos se opõe a Israel e é antissemita. “Kemp e Foll foram apenas alguns que proferiram absurdos em público para defender a fantasia de um Estado que estava literalmente disparando para matar uma população civil e desarmada. Disparar contra manifestantes desarmados, sob a alegação de legítima defesa por parte de soldados altamente protegidos atrás de barreiras de segurança, não apenas constitui uma grave violação dos direitos humanos, mas também configura crimes de guerra, dado o uso de munição proibida mesmo em cenários de conflitos armados entre exércitos. Como coronel aposentado de um exército que colonizou metade do planeta durante os séculos XIX e XX, Kemp deveria estar ciente desses crimes.