AGROcalipse ambiental - O agro é lobby. O agro é incêndio. O agro é tóxico. O agro é destruição. O agro é morte. O agro é golpe. por Luiz Fernando Leal Padulla
Não quero aqui ficar falando apenas de números, mas é inevitável mostrar que apenas em 2024 os incêndios já destruíram mais de 11 milhões de hectares – para tornar isso mais visível para nós, seria o equivalente a 11 milhões de campos de futebol. Na América Latina, 70% dos incêndios estão acontecendo no Brasil.
Curioso que esses eventos tomaram tais proporções após a fala daquele “Pastor”, Silas Malafaia: “o Brasil vai pegar fogo”, fazendo um chamamento para a “minifestação” que ocorreu na Avenida Paulista no dia 7 de setembro.
Em São Paulo, por exemplo, as primeiras queimadas suspeitas ocorreram praticamente todos ao mesmo tempo - em um intervalo de 90 minutos. Impossível desvincular isso do acontecimento igualmente orquestrado em 2019, no chamado “dia do fogo”.
É mais do que evidente que esses incêndios que colocam o Brasil em chamas, tem nome e sobrenome: agronegócio e extrema-direita.
É o agronegócio que promove o desmatamento e incêndios propositais – o que amplia sua área de atuação, concentrando terras e usando fertilizantes químicos e agrotóxicos, atendendo aos interesses das corporações e causando ainda mais desgraça ao país. Aproximadamente 90% desses incêndios são provenientes de áreas particulares.
Esse método de produção/exploração ambiental segue sendo protegido e beneficiado pelos congressistas alinhados/financiados pelo agronegócio. Para que se tenha uma ideia do que estamos falando: a Câmara Federal possui 513 cadeiras, da quais 300 deputados (58%) são ruralistas. No Senado, das 81 cadeiras, 39 das vagas (48%) são deles.
Entre os benefícios do agronegócio, podemos citar a Lei Kandir, de 1997, que isenta do pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para as exportações de produtos primários e semielaborados ou serviços, e a isenção para grande parte dos agrotóxicos. Somente nesses dois exemplos, percebe-se como o agronegócio não beneficia nem mesmo financeiramente o país, mas apenas a si próprio, e além do mais, contamina o ambiente e destrói a saúde.
(E antes que venha com o papinho da importância do Agro para o PIB, lembre-se: além de não comermos PIB, a contribuição real é de cerca de 5%, bem menos do que o setor industrial – 26% - e de serviços – 52%. A outra farsa de “produtor de comida” também não cola quando se mostra a realidade: 70% da comida de verdade vem da agricultura familiar/agroecologia, enquanto o agronegócio produz commodities para geração de lucro próprio).
Mas o que quero falar é sobre os incêndios e suas consequências. Não podemos esquecer que além dos animais que fogem do fogo e muitos acabam sofrendo e morrendo carbonizados, há fatores ainda mais preocupantes a curto e longo prazo.
Ao promoverem a queimada de enormes áreas, promove-se não apenas a perda da biodiversidade, mas a redução do número de árvores e toda vegetação que têm importante papel na captura do dióxido de carbono (CO2), um dos principais responsáveis pelo aumento da camada estufa e, consequentemente, o aquecimento global que provoca mudanças climáticas – lembremos das recentes enchentes no Rio Grande do Sul e Salvador, da seca histórica no Pantanal e na Amazônia entre tantos eventos que estão cada vez mais frequentes.
Ao destruírem essas áreas, promovem o crescimento de áreas de pasto para criação de gado que, em função de sua fisiologia, liberam metano (CH4), outro gás da camada estufa, mas com o diferencial se será ainda mais retentor do calor.
Paralelamente, os incêndios na região da Amazônia e no Pantanal afetam diretamente o regime de chuvas no país. De forma bem sucinta: ao realizarem o processo de fotossíntese, as árvores liberam vapor de água em um processo chamado de evapotranspiração. Essa umidade carrega a atmosfera e sob influência de correntes de ar vindas do oceano, migram para o interior do Brasil após se chocarem com a Cordilheira dos Andes. Ao descer em direção ao Centro-Oeste, tais nuvens se carregam novamente com mais umidade da região do Cerrado e Pantanal, promovendo chuvas nas regiões Sudeste e Sul.
Pois bem. Tais desmatamentos, portanto influenciam no regime de chuvas e, consequentemente, promovem períodos de estiagem que batem recordes. Lembre-se que a maioria de nossa fonte energética vem das hidrelétricas. Sem chuva, sem água nos reservatórios capazes de mover tais usinas. E qual alternativa? Acionar termoelétricas que além de encarecer a conta de luz (a tal “bandeira vermelha”), acaba por liberar mais gases do efeito estufa pela queima de carvão mineral, piorando ainda mais a questão ambiental, as mudanças climáticas e suas catástrofes.
Um ciclo vicioso e perigoso.
A falta de água é tamanha que afeta inclusive o agronegócio. Mas pouco parece se importar, afinal, em tempos de dificuldade, recorre ao mesmo governo que o sustenta com subsídios e financiamentos. E por falar em desabastecimento, é válido que tenhamos o pensamento coletivo – o que o capitalismo detesta – e tomemos nossas providências em não gastar tanta água. No entanto, não podemos esquecer que 70% de todo consumo de água é destinado justamente ao agro. E quem o cobra ou multa quando em época de racionamento? Mas se você lavar o quintal, pode ser multado.
Tempo seco, ar poluído, falta de água, temperaturas elevadas. Conta de luz mais cara, alimentos em escassez. Caos ambiental, econômico e social.
Em tempos de um período apocalíptico (ou seria AGROcalíptico?) os casos de internações em hospitais estão elevados, sobrecarregando-os. O que pouca gente sabe é que não são apenas problemas relacionados ao sistema respiratório, mas também ao cardiovascular, nervoso e reprodutivo. Apenas para ilustrar os danos neurocognitivos, a longo prazo, pesquisas associam várias doenças com a poluição atmosférica, como depressão, ansiedade, Parkinson, Alzheimer, TDAH e Transtorno do Espectro Autista.
Lembremos que atrelado aos incêndios, além do aumento do gás monóxido de carbono (CO) que dificulta ainda mais a respiração, há toda química dos agrotóxicos e metais pesados que se dissolvem na atmosfera particulada, potencializando casos de diversas doenças principalmente em crianças e grávidas.
Percebemos com isso que o agronegócio é criminoso e lesa-humanidade. E dessa vez seus crimes não tiveram como passar despercebidos, pois atingiu os “narizes sensíveis” dos políticos e regiões ricas do país, como bem disse o jornalista e ambientalista André Trigueiro.
A pergunta que deve estar fazendo é a que todos fazemos: por que o governo não rompe com o agronegócio?
Esse é um questionamento que nos incomoda, mas temos alguns indícios para respondê-lo. Em 1964, uma das principais pautas de João Goulart era justamente a reforma agrária, que favoreceria a distribuição de terras improdutivas, mas reduziria a concentração nas mãos do agronegócio. Deu no que deu: golpe militar.
Em 2016, a presidenta Dilma avançou ao instituir a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) que abrangia o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara). Eis que inventaram a tal “pedalada fiscal” e ela foi mais uma vítima de um golpe, desta vez parlamentar. E logo nos primeiros dias, o golpista Michel Temer retira verbas da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), da Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica (CIAPO).
Com a eleição do nazifascista Jair Bolsonaro, cuja campanha e (des)governo contou com cifras milionárias do agronegócio, o CNAPO, conselhos e comissões relacionados ao programa foram todos extintos. Aparelhou-se o IBAMA, MAPA, ANVISA e todos os órgãos competentes para a questão ambiental. Em plena pandemia, aproveitaram para “passar a boiada”.
Em meados de 2023, o presidente Lula restituiu e ampliou o CNAPO e CIAPO, mas desde sua posse, sofre constante pressão das corporações/multinacionais que influenciaram até mesmo na reforma tributária – não foi cobrado um único centavo dos agrotóxicos que seguem isentos e contaminando a população brasileira.
E agora no governo Lula 3, como será? Seguiremos apoiando e financiando o agronegócio ou teremos a coragem e ousadia do rompimento com esse lesa-pátria (que por sinal, estão na dianteira do financiamento de atos antidemocráticos, incluindo a tentativa de golpe no 8 de janeiro de 2023)? Sabemos que a correlação de forças não nos é favorável, mas até quando aceitaremos tudo isso em nome de uma governabilidade que é falsa e burguesa? Até quando teremos que lidar com o terrorismo ecológico?
Continuaremos atacando apenas as consequências, ignorando as causas?
O Brasil tem a faca e o queijo nas mãos para ser vanguarda no processo de mudança de exploração da natureza. Não cabe mais a dualidade natureza vs. progresso. A transição agroecológica, defendida inclusive pela Agenda 20230 e seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), é a única alternativa para uma urgente tentativa de salvação não apenas do país, mas do planeta.
É preciso ter coragem. É preciso mobilização popular. É urgente romper e destruir esse sistema degradante e destruidor do planeta. E o agronegócio é hoje seu principal representante. O sistema que visa apenas o lucro e concentração de renda mostrou que chegou ao seu fim. É hora de mudar significativamente.
O agro é lobby. O agro é incêndio. O agro é tóxico. O agro é destruição. O agro é morte. O agro é golpe.
O agro está nos levando a um caminho sem volta rumo à extinção. Cabe a nós mudarmos essa rota. É hora de olharmos para os saberes ancestrais, das técnicas agroecológicas cubanas, de ouvirmos e apoiarmos o MST e a agricultura familiar/campesinato. É hora de promovermos a verdadeira reforma agrária.
Os fatos provam que fomos iludidos pelo canto da sereia do Capital, mas agora despertamos e temos a oportunidade de trilhar caminhos mais humanos e em harmonia com o ambiente do qual fazemos parte e não somos os donos.
Parafraseando Rosa Luxemburgo que sabiamente nos alertou, a saída é o ecossocialismo ou barbárie!