Faysa Daoud: A Menina Palestina Dos Campos De Refugiados
- Siqka
- 3 de mar. de 2024
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Artigo 14 “Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.” Declaração Universal dos Direitos Humanos [1]
Nos dias quentes a agitação das partidas de futebol no campo de Baqa’a, na Jordânia, levantava a poeira da rua de terra batida. Uma menina madura o suficiente para jogar bola com as outras crianças, mas não tão para usar o hijab, passava direto pelas brincadeiras na volta da escola. Ela preferia bater de casa em casa para oferecer ajuda a outras mulheres e idosas do campo. Apesar de pequena conhecia bem as mazelas compartilhadas por todos ao seu redor, pois, sua família vivia as mesmas. A história da menina, como a de outros milhões de palestinos, começa como refugiada de uma guerra a qual não teve participação. Sua história começa na cidade portuária de al-'Abbasiyya, no distrito de Yaffa, de onde seus pais Ahmad Mohamad Saleh Abou Daoud e Miriam Ibrahim Deib foram expulsos na primavera de 1948.
Nakba, Palestina
As flores desabrochavam enquanto o exército britânico assistia às milícias do Irgun[2] e Haganah[3] lançarem ataques contra o distrito de Jaffa[4]. Cidades inteiras foram bombardeadas por morteiros durante três dias consecutivos. Menos de um mês após o primeiro disparo, Ahmad e Miriam e outros 25 mil palestinos foram evacuados para as cidades vizinhas de Lydda e Ramle. David Ben-Gurion, comandante do Haganah, considerou a hipótese de retorno dos palestinos, então ordenou a invasão das cidades que acolheram os refugiados e a expulsão de todos dos territórios. Setenta mil palestinos se tornaram refugiados em poucos dias, incluindo o casal Daoud que pela segunda vez foi obrigado ao deslocamento interno forçado.
Os israelenses usam da falácia de que os moradores saíram das cidades por vontade própria, mas os fatos descritos por Yitzhak Rabin – na época comandante da milícia Palmach, parte da Haganah – eram bem diferentes. Já no cargo de Primeiro-ministro ele admitiu que os palestinos não saíram das cidades por um cordão humanitário, mas sob a mira de fuzis e tiros de alerta disparados contra a população. Revela ainda que os palestinos foram obrigados a caminhar sem água por quilômetros debaixo do sol, o que levou centenas de idosos e crianças a morrerem de sede durante a marcha forçada.[5]
Para intensificar a devastação, Ben-Gurion decretou a demolição das cidades, assegurando que não restassem residências para os deslocados retornarem. Os Daouds e milhares de palestinos buscaram refúgio nos campos da Cisjordânia, mas em 1967, um novo massacre se desdobrou. Em meros seis dias de conflito, os palestinos perceberam que mesmo o que restava de seu território já não oferecia segurança. Decidiram, então, buscar abrigo além do Rio Jordão. Para evitar mais tragédias, concentraram-se em um campo improvisado próximo à capital Amã, na Jordânia, que posteriormente se tornaria o Campo de Baqa’a.
Apesar de ser permitido aos palestinos habitar as terras jordanianas, o governo e a comunidade internacional não forneciam qualquer assistência. A única ajuda disponível eram algumas lonas da UNRWA utilizadas como cobertura. Alguns anos após sua chegada ao Campo de Baqa’a, Miriam deu à luz uma menina com olhos cor de avelã, a quem chamaram Faysa Daoud.
“Você nasce na Jordânia, mas você não é jordaniano. Seu passaporte vem com a letra ‘P’, de palestino.” Faysa Daoud [6]
A vida era extremamente difícil para os palestinos dos campos na Jordânia. Os melhores trabalhos, escolas e outros serviços do governo eram destinados exclusivamente para os jordanianos. Para os médicos, advogados, engenheiros e outros profissionais palestinos só restavam os trabalhos braçais. A Organização para Libertação da Palestina (OLP) no intuito de suprimir a situação de abandono criou independentes redes de apoio aos refugiados e assistência as famílias dos combatentes. Essas redes consistiam, além de ajuda financeira, a construção de escolas, dispensários, hospitais e centros do Crescente Vermelho[7]. Os serviços prestados pelos fedayins palestinos superavam em todos os quesitos os oferecidos pelo governo Real e pela comunidade internacional, o que colocou a OLP e Arafat em situação de prestígio nunca visto na comunidade palestina, fazendo muitos aderirem às forças fedayins da OLP.
“Os filhos refugiados que mendigam à UNRWA um saco de farinha, um punhado de feijões e uma coberta vieram formar as fileiras dos combatentes, e são eles quem escrevem diante do mundo árabe a nova história da Palestina”. Yasser Arafat, 1967.[8]
Com dificuldades para encontrar trabalho, o pai Ahmad Daoud se alistou no exército jordaniano, a única oportunidade para oferecer à família uma vida melhor e mais segura. Pouco a pouco as condições melhoravam para os Daoud. A família trocou a tenda de lona por um quarto e cozinha. Os Daouds tiveram o primeiro momento de relativa paz. A menina Faysa ajudava a mãe nos afazeres de casa e nas horas vagas oferecia ajuda aos vizinhos que sobreviviam em condições lamentáveis, no entanto, ela não foi a única a perceber e se incomodar com o sofrimento do seu povo. Os lotados campos de refugiados que se espalhavam por toda Jordânia dependiam quase que exclusivamente das redes de assistência fornecidas pela OLP, o que fez a organização também tomar parte na lei e ordem dentro dos campos, criando leis, tribunais, polícia e até um exército de defesa. Estava criado um Estado palestino independente dentro do Estado jordaniano. O irmão mais velho de Faysa, Mahmud Daoud, também procurou uma maneira de ajudar o próprio povo e se alistou nas forças guerrilheiras da OLP.
Guerra Civil, Jordânia
O Estado dentro do Estado ampliava continuamente o prestígio da OLP, ao mesmo tempo em que gerava desconforto para o Rei Hussein, que via na crescente popularidade de Arafat uma ameaça ao Reino da Jordânia. Diante dessa situação, o Rei Hussein tomou medidas para restringir a autonomia no território, impondo limitações aos fedayins. Estas incluíam a proibição da circulação de palestinos fardados nas cidades, a sujeição dos guerrilheiros às ordens das forças de segurança nacional e a exigência de entrega de armamento às autoridades jordanianas.
Os palestinos, por sua vez, resistiam à ideia de entregar suas armas e líderes, cientes de que o exército jordaniano não seria capaz de protegê-los dos frequentes ataques israelenses que invadiam o território jordaniano para atacar os campos de refugiados.
Manifestações populares contra as medidas do rei se espalharam por toda parte, conflitos entre a polícia jordaniana e a resistência palestina agravam a situação. Dentro dos campos de refugiados emerge a Frente Popular para Libertação da Palestina (FPLP). Os comunistas da FPLP preocupavam muito mais o rei Hussein que a própria OLP, visto que proliferavam rapidamente a estratégia de formação de um mundo árabe unido e socialista. Em 9 e 10 de junho de 1970, o rei ordenou a invasão do exército ao campo de refugiados de Wadaf, com intuito de prender e estancar a força popular da FPLP. Centenas de palestinos foram mortos e outras centenas ficaram feridos. Arafat consegue um cessar-fogo entre as partes, aumentando sua credibilidade também com os comunistas da FPLP e estancando-a ainda mais com o Rei Hussein.
A constante invasão israelense ao território jordaniano ajudou a propagar a instabilidade política na região, o rei que não conseguia lidar sequer com os palestinos, acabara de herdar também seu inimigo. Dez dias após o cessar-fogo negociado com Arafat, no dia 17 de setembro de 1970, o rei decide expulsar os guerrilheiros da OLP e pôr fim ao Estado palestino em Amã.
“Tenho provas incontestáveis de que o rei Hussein tem a intenção de liquidar os resistentes palestinos. Presumo que seus governos não poderão ou não desejarão fazer nada por nós. Mas informo: vocês não podem dizer que não sabiam!” Mensagem que Yasser Arafat enviou a todos os chefes de Estados árabes, 1970.
Às 5h da manhã, blindados e tanques atacaram os campos de refugiados; simultaneamente invadem o quartel-general da OLP. Iniciava-se mais um plano de expulsão de refugiados palestinos. A ordem era, acima de tudo, capturar Arafat, vivo ou morto!
“Duas vezes o exército jordaniano cercara o local em que eu estava, pedindo que eu me rendesse. Sem sucesso, pois a cumplicidade da população sempre me permitia escapar.” Yasser Arafat, 1979
A Guerra Civil na Jordânia ou Setembro Sangrento, como ficou conhecido, obrigou pai e filho Daoud a tomarem armas em punho e irem para guerra, infelizmente, em lados opostos. Faysa tinha onze anos quando viu pela primeira vez seu pai e seu irmão sendo forçados a se confrontarem.
Com a retirada dos fedayins, uma ordem de prisão foi emitida em nome de Mahmud Daoud pelo exército jordaniano. A jovem ouviu dizer que seu irmão havia escapado para as montanhas, mas a polícia o perseguira por todo o território, forçando ele e outros jovens guerrilheiros a cruzarem para o território da Síria. Esse foi o momento mais difícil para os Daouds, pois sua residência foi bombardeada por vinte e quatro bombas do exército na tentativa de capturar o filho guerrilheiro. Após um período como fugitivo e acreditando estar seguro, Mahmud regressou à Jordânia, porém, ao atravessar a fronteira, foi prontamente identificado e detido pelas forças policiais.
“Eu tinha 11 anos nessa época, me lembro muito bem de tudo que aconteceu. Meu pai trabalhava no exército da Jordânia e meu irmão era guerrilheiro do Fatah; os dois lutavam contra. Esse foi um período muito marcante para todos nós! O exército queria a condenação do meu irmão, então ele acabou fugindo para as montanhas e depois para Síria, mas acabou sendo preso. Mahmoud passou 40 dias sendo interrogado e torturado na prisão jordaniana. Quando libertado, nós não o reconhecíamos, eu mesmo não conhecia mais meu irmão, ele estava quebrado, todo cortado e desfigurado. Nós sofremos muito por conta do regime jordaniano.” Faysa Daoud
O conflito mobilizou tropas por todo Oriente Médio, alguns pró palestinos, outros ao lado do Rei Hussein, incluindo os Estados Unidos e Israel, que se colocaram à disposição para mais um genocídio palestino. No nono dia de combate a rádio Amã anunciou que o rei Hussein e Arafat chegaram a um acordo de cessar-fogo intermediado pelo Rás egípcio Gamal Abdel Nasser. A guerra se estendeu até que Arafat e a OLP concordaram em deixar a Jordânia e partir para o Líbano. O massacre se estendeu até julho de 1971. Os resultados variam de acordo com as fontes: a Jordânia estima 3.500 mortos, já a OLP afirma que esse número excede os 20 mil.
Refúgio Brasil
Hussein Arman, também da cidade portuária de al-'Abbasiyya, assim como a família Daoud, se tornou um dos milhares de refugiados palestinos ao atravessar o rio Jordão durante a Nakba. Com as perseguições israelenses aos campos jordanianos decidiu partir. Chegou ao Brasil em 1959, na mala apenas o sonho de se tornar piloto de avião e um dia poder voltar voando para seu país livre das guerras e perseguições.
Em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, Arman passou por todas as dificuldades de um refugiado árabe em um país sul-americano. Seu sonho foi momentaneamente posto de lado, pois a prioridade consistia em aprender o idioma, adaptar-se à cultura e, simultaneamente, garantir o sustento por meio do trabalho que conseguiu como feirante. A única coisa que alçou voo para o palestino foram os anos de árduo trabalho. O sonho de se tornar piloto foi substituído pela saudade e pelo desejo de reunir-se com a família e os amigos deixados na Jordânia.
Após quatorze anos, o refugiado palestino de Mogi das Cruzes finalmente conseguiu economizar dinheiro suficiente para realizar sua primeira visita à família no campo de Baqa’a. O cenário já não era o mesmo; as lonas deram lugar a contêineres, todos adornados com estampas da UNRWA. Até mesmo casas de tijolos começavam a surgir, mas os impactos de tiros marcavam as paredes externas, recordando constantemente os habitantes de seu passado.
À medida que as ruas eram gradualmente pavimentadas, estudantes e trabalhadores circulavam incessantemente entre os comércios improvisados e a teia de fios elétricos suspensa sobre suas cabeças. As escolas da OLP, agora sob a administração da UNRWA, formavam jovens cheios de esperança, almejando deixar para trás a vida de refugiado. Faysa Daoud era uma das jovens que concluíram seus estudos nessa época.
Para Arman, tudo aquilo era notavelmente diferente de suas memórias, mas mesmo assim, ele sentia-se em casa.
Na visita, Husein Arman e Faysa Daoud foram apresentados um ao outro, e não demorou muito para decidirem se casar e fixar residência no Brasil. Faysa sentiu-se novamente como uma estranha, agora em uma terra ainda mais desconhecida. Este novo mundo revelou-se imensamente desafiador para a jovem que só conhecia a vida nos campos de refugiados. Desta vez, não eram bombas, tiros ou torturas que a atormentavam, mas sim a solidão. Distante de sua família, a jovem começou a se comunicar e, após tornar-se perita em mímicas, iniciou o aprendizado do português.
Arman apresentava à sua esposa todas as pessoas que conhecia e como poderiam auxiliar os outros a se estabelecerem; juntos, o casal palestino formou uma extensa rede de ajuda humanitária. A compaixão intrínseca de Faysa foi aprimorada ao lado de Arman. Cada vez que ela via o marido estender a mão para ajudar o próximo, sua admiração por ele crescia. As dificuldades pelas quais o casal havia passado eram semelhantes às enfrentadas por cada novo refugiado árabe.
Por estarem familiarizados com as nuances da burocracia brasileira, as barreiras idiomáticas, a adaptação a uma nova cultura e, principalmente, a distância da família, Arman e Faysa começaram a prestar auxílio aos recém-chegados. As missões de solidariedade do casal tornaram-nos um ponto de referência na ajuda humanitária para os refugiados.
Husein Arman repetia incansavelmente: "sirva e sirva sempre com excelência". Como marido, ele compartilhou todo o conhecimento possível com sua esposa, agindo como alguém que buscava auxílio para dar continuidade à sua missão. A cada ensinamento, Husein Arman destacava: "você precisa aprender, pois um dia terá que seguir isso sozinha". Em 2012, Husein Arman faleceu, deixando para Faysa, além da saudade, o legado que construíram juntos.
Faysa Daoud não teve tempo para vivenciar plenamente o luto. A guerra na Síria[10], desencadeada no ano anterior, começou como uma série de grandes manifestações visando depor o presidente Bashar al-Assad[11] e instaurar uma nova liderança democrática, resultando na maior onda migratória de refugiados da história. Assad tentou persuadir a comunidade de refugiados palestinos na Síria a se aliar ao governo contra a oposição, mas os palestinos optaram por permanecer neutros. Enfurecido, o presidente ordenou a abertura da fronteira Síria/Israel para que os refugiados pudessem retornar à Palestina.
Diante dos olhares impassíveis dos soldados de Assad, 22 jovens refugiados palestinos foram assassinados e outros 100 foram baleados pelos guardas de fronteira israelenses.
A guerra na Síria agravou-se com o tempo, e a maioria das organizações internacionais enfrentou desafios para prestar ajuda devido ao bloqueio imposto pelas forças do regime sírio. Pessoas estavam perdendo a vida em grande escala, tanto devido ao conflito quanto à perseguição por grupos opositores, à falta de assistência médica e à fome resultante do bloqueio. Além disso, destaca-se o fracasso da comunidade internacional em cumprir o dever de proteger os mais vulneráveis e mediar uma solução política e pacífica.
Os refugiados inundavam os países da Europa, mas muitos deles se viram diante de fronteiras fechadas e crescentes dificuldades na imigração. Diante desse cenário, o Brasil, conhecido por suas políticas humanitárias de imigração e refúgio desde 2003, emergiu como uma rota de fuga. Os refugiados provenientes do Iraque em 2007, com origens palestinas, foram beneficiados com ajuda financeira da ONU por dois anos, mas após esse período, enfrentaram a jornada por conta própria.
A realidade para a maioria dos refugiados é que, devido às barreiras idiomáticas e culturais, muitos acabam interagindo apenas com outros refugiados, o que dificulta a adaptação. Nascida nos campos de Baqa’a, Faysa, em prol de suprir as necessidades de acolhimento, integração e consolidação, uniu-se a outros três amigos para formar uma rede de ajudadores informais. Eles atuavam como intérpretes em consultas médicas, intermediários na burocracia brasileira, e desempenhavam papéis como "corretores de imóveis", dentre outras necessidades básicas. Para Faysa e seu grupo de acolhimento, esse era o momento de dar um passo à frente.
“Quando os refugiados chegaram, pensei: ‘chegou meu povo, eles estão sofrendo como eu sofri’. Eles não sabiam se comunicar, não sabiam nem comprar as coisas. Eu sabia que podia ajudar, me sentia na obrigação de ajudar.” Faysa Daoud
O árduo trabalho de socorrer aqueles que deixaram suas casas devido à guerra tornou-se ainda mais exaustivo com a crise na Venezuela no ano seguinte. Apesar das notáveis diferenças culturais e do conhecimento limitado da rede de amigos sobre a cultura venezuelana, a comunidade árabe muçulmana uniu esforços e preparou-se para ajudar os milhares que cruzavam a fronteira de Pacaraima, em Roraima. Ao longo de quatro anos, esses auxiliadores tornaram-se a referência para refugiados palestinos, sírios, iraquianos, afegãos, congoleses, haitianos e, agora, venezuelanos.
Com a chegada de milhares de refugiados, o trabalho do grupo se multiplicou, levando à necessidade de oficializar as atividades de ajuda humanitária. Em 2016, foi fundada a organização não governamental Refúgio Brasil.
Um dos milhares de refugiados venezuelanos que atravessaram a fronteira em busca de refúgio encontrou na Refúgio Brasil aulas de português, auxílio na regularização da documentação e apoio para encontrar emprego. Em seu casamento, que ocorreu algum tempo após a chegada ao Brasil, o venezuelano teve a presença de amigos palestinos, sírios, iraquianos e, é claro, Faysa Daoud, uma palestina-jordaniana. Todos, independentemente de sua nacionalidade, compartilhavam algo em comum: um dia estiveram na mesma condição de refugiado.
Em 25 de janeiro de 2019, ocorreu o desastre humanitário, industrial e ambiental que ceifou a vida de 270 brasileiros: o rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais. A ONG Refúgio Brasil, presidida por Faysa Daoud e financiada em grande parte pela comunidade árabe-brasileira, mobilizou esforços para arrecadar um caminhão com alimentos, roupas e materiais de limpeza destinados às vítimas dessa catástrofe.
Brumadinho não foi o único momento em que Faysa e a Refúgio Brasil desempenharam um papel crucial na ajuda humanitária. Durante a pandemia da COVID-19, quando a maioria da população estava isolada em suas casas, a Refúgio Brasil arrecadou e distribuiu centenas de cestas básicas, beneficiando não só os refugiados estrangeiros, mas também brasileiros em situação de vulnerabilidade.
Faysa Daoud passou os primeiros anos de sua vida vivendo como refugiada, até mesmo sua identidade foi carimbada com um “P” extra, denotando sua origem palestina. Atualmente, ela foi homenageada com as chaves da cidade de Mogi das Cruzes, sendo reconhecida como cidadã. Tudo o que Faysa aprendeu com Arman, o jovem que se refugiou no Brasil com o sonho de se tornar piloto, ela coloca em prática para ajudar milhares de pessoas, sem distinção de etnia, cor ou religião. Ela ensina a todos que o amor não conhece fronteiras.
Atualmente, com uma vida um pouco mais tranquila, a mulher que cresceu nos campos volta sempre que pode para visitar parentes e amigos no Oriente Médio. Entre um voo e outro, às vezes ela consegue viajar em uma aeronave pilotada por seu próprio filho.
“Meu marido se sentiu muito realizado através do filho. Tudo que ele sonhava para ele foi realizado pelo filho. Ele ficou tão emocionado na formatura do menino. Infelizmente ele faleceu pouco tempo antes do meu filho se tornar comandante.” Faysa Daoud, 2022
Enquanto gravávamos as entrevistas (2022), Faysa coordenava simultaneamente campanhas de arrecadação para as vítimas das inundações em Petrópolis e prestava assistência a pessoas em situação de refúgio vindas do Afeganistão e Ucrânia. Atualmente, ela e a ONG Refúgio Brasil são referências para os repatriados brasileiros que foram resgatados do atual massacre israelense em Gaza.
[1] AGNU, “Declaração Universal dos Direitos Humanos - resolução 217 A (III),” Paris, 1948.
[2] O Irgun ganhou notoriedade após o ataque ao Hotel King David, que resultou em 91 mortes. No ano subsequente, envolvido no tráfico de armas, o Irgun entrou em conflito com o exército israelense, culminando no naufrágio de um navio (Altalena) carregado com armamentos. Posteriormente, as autoridades britânicas classificaram a organização como terrorista.
[3] Após a autoproclamação de independência, o Haganah foi dissolvido e se tornou o exército israelense. Oficialmente o exército se chama, Israel Defense Forces (IDF), ao qual palestinos e organizações de direitos humanos preferem chamar de Israel Occupying Forces (IOF). No livro “Haganah”, o autor Munia Mardor, ex-oficial da força escreve, “Um dos principais objetivos da Haganah, tal como movimento sionista em geral, era abrir caminho aos imigrantes que desejavam entrar na Palestina”.
[4] M. Mardor, “Haganah: Como uma organização secreta transformou-se no exército de Israel,” Portugália, Rio de Janeiro, 1980.
[5] Rabin forneceu detalhes ao ghostwriter Dov Goldstein sobre a invasão às vilas e o deslocamento interno forçado de milhares de palestinos. Contudo, o comitê governamental encarregado da preservação historiográfica de Israel, por razões de segurança, ordenou a eliminação desse trecho da biografia. De acordo com Goldstein, o chefe do comitê lhe afirmou: “Sim, a história é verdadeira e conhecida, mas não pode ser contada por um dos nossos heróis, alguém que esteve envolvido pessoalmente com ela, que foi Primeiro-ministro de Israel, porque desmentirá nosso argumento de que agimos com humanidade.” Goldstein relata que Rabin ficou contrariado, mas concordou em suprimir o trecho do livro.
[6] L. Siqueira, “Entrevista com Faysa Daoud,” Mogi das Cruzes, 2021.
[7] Estabelecida em 1968 por Fathi Arafat, irmão de Yasser Arafat, a Sociedade do Crescente Vermelho Palestino é uma organização humanitária integrante do Movimento Internacional da Cruz Vermelha.
[8] A. Kapeliouk, “Arafat: O irredutível,” Editora Planeta do Brasil, 2004.
[9] R. Fisk, Pity the Nation: The Abduction of Lebanon, Oxford University Press, 1990.
[10] O governo sírio alega combater terroristas armados que visam desestabilizar o país. A partir de 2013, o grupo Estado Islâmico (Daesh) começou a reivindicar territórios na região. Lutando inicialmente ao lado da oposição síria, as forças desta organização passaram a atacar qualquer uma das facções envolvidas no conflito (apoiadores ou opositores ao regime Assad), buscando hegemonia. Segundo informações de ativistas de direitos humanos, o número de mortos no conflito passa das 500 mil pessoas (2022), sendo mais da metade civis, incluindo quatro mil refugiados palestinos neutros ao conflito. Outras 130 mil pessoas teriam sido detidas pelas forças de segurança do governo. Mais de cinco milhões de sírios já teriam buscado refúgio no exterior para fugir dos combates, com a maioria destes tomando abrigo no vizinho Líbano.
[11] Bashar Hafez al-Assad é o atual presidente da Síria e Secretário Geral do Partido Baath desde 17 de julho de 2000. Sucedeu a seu pai, Hafez al-Assad, que governou a Síria por 30 anos até sua morte.
Bibliografia
AGNU. Declaração Universal dos Direitos Humanos - resolução 217 A (III). Paris. 1948.
FISK, R. Pity the Nation: The Abduction of Lebanon. [S.l.]: Oxford University Press, 1990.
KAPELIOUK, A. Arafat: O irredutível. [S.l.]. 2004.
KAPELIOUK, A. Arafat: O irredutível. [S.l.]: Editora Planeta do Brasil, 2004.
MARDOR, M. Haganah: Como uma organização secreta transformou-se no exército de Israel. Rio de Janeiro. 1980.
SIQUEIRA, L. Entrevista com Faysa Daoud. Mogi das Cruzes. 2021.