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Foto do escritorSiqka

Atatürk, o pai dos turcos

Os eventos que marcam a Turquia contemporânea não pertencem somente a ela. Pertencem a todo o Oriente Médio e principalmente à subjugação de seu povo pelas mãos de forças coloniais europeias. Para compreender melhor essa perspectiva, fomos conhecer um pouco da história da república e de seu fundador, Mustafá Kemal Atatürk, ou o “Pai dos turcos”.

 

“Meu povo vai aprender os princípios da democracia, os ditames da verdade e os ensinamentos da ciência.” Kemal Atatürk

 



Estava ansioso para conhecer o museu de Atatürk. O museu não estava muito longe; fomos andando pela orla e assistindo um pouco da melancolia dos músicos de rua. Não demorou muito para chegarmos ao museu que um dia foi usado como o quartel-general turco durante a Guerra de Libertação. Um prédio de aparência simples, porém, que guarda em seu interior o maior tesouro da Turquia, sua história.

 

Vamos retroceder um pouco no tempo e explicar quem foi Atatürk. Nascido na cidade otomana de Salonica em 1881, se formou no Colégio Militar Otomano em 1915, mas foi preso por atividades antimonarquistas logo após a formatura. Liberto, o jovem militar foi mandado para lutar em diversas regiões do Império Otomano. Em Damasco, na Síria, se juntou a uma pequena sociedade revolucionária secreta de oficiais reformistas.

 

Atatürk se tornou uma lenda entre os militares durante a Primeira Guerra Mundial. Enfraquecido por movimentos nacionalistas, o Sultão se juntou ao lado das Potências Centrais com intuito de preservar a posição de Império. No segundo ano da Grande Guerra, Atatürk defendeu o estreito de Dardanelos contra as forças britânicas. Na batalha de Galípoli (1915), prevendo onde australianos e neozelandeses a serviço britânico atacariam, gritou suas ordens ao 57º Regimento de Infantaria: “Homens, não estou ordenando que ataquem. Estou ordenando que vocês morram.” Manteve a posição até a recuada dos aliados; mesmo com a vitória, muitas vidas foram perdidas, incluindo as dos soldados australianos e neozelandeses, os quais o militar fez questão de mencionar: “Os heróis que derramaram seu sangue e perderam suas vidas no solo deste país! Você está no solo de um país amigo agora. Portanto, descanse em paz.” Em 1918 Mehmed VI se tornou o novo sultão otomano. Convocou o herói de Galípoli para Constantinopla e em seguida o enviou para Palestina. Atatürk enfrentou os britânicos em diversos terrenos entre Aleppo (Síria) e Nablus (Palestina). Segundo o biógrafo escocês John Patrick Douglas Balfour, Kemal Atatürk foi o único general turco na guerra que nunca sofreu uma derrota. No entanto, as conquistas militares otomanas não foram suficientes para garantir a vitória contra as potências aliadas. Derrotado, o Império Otomano entrou em colapso.

 

Mesmo antes do fim da guerra, em uma reunião secreta em 16 de maio de 1916, os governos do Reino Unido, França e do Império Russo decidiram, secretamente, partilhar os territórios otomanos, hoje correspondentes à Jordânia, Iraque, Síria e Líbano. A Palestina, reclamada por todas as três potências, ficaria sob administração internacional até que fosse decidido quem arrendaria o território. O acordo entre britânicos, franceses e russos se tornou público quando os comunistas depuseram o Czar e tomaram o poder na revolução de outubro de 1917. A nova União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (U.R.S.S), além de tornar público o acordo de partilha do território otomano, ainda invalidou a reivindicação do Czar sobre a Palestina.

 

Atatürk liderou o Movimento Nacional Turco a fim de impedir que a Turquia também se tornasse uma colônia britânica ou francesa, como se tornaram outras partes do território otomano. Os aliados enviaram exércitos para conter os nacionalistas, mas Atatürk saiu novamente vitorioso. A crescente popularidade do líder militar levou o apoio popular que permitiu a abolição do Império Otomano e a Proclamação da República da Turquia. Uma nova era se iniciava para o povo turco, não mais a do império, mas sim um rigoroso programa de reformas políticas, econômicas e culturais com o objetivo final de construir um Estado-nação moderno, progressista e secular.

 

Como primeiro presidente, Mustafá Kemal Atatürk promoveu reformas políticas significativas para o país. Umas das primeiras medidas de seu governo foi construir milhares de escolas e tornar o ensino primário gratuito e obrigatório. O presidente considerava: “São os professores, somente eles, que libertam os povos e transformam as coletividades em verdadeiras nações.” Foi também em seu governo que as mulheres puderam participar das decisões do país. Em discurso, o presidente afirmou que: “Tudo o que vemos no mundo é o trabalho criativo das mulheres.”, e completou dizendo: “A humanidade é composta de dois sexos, mulheres e homens. É possível que a humanidade cresça melhorando apenas uma parte enquanto a outra parte é ignorada?” Com essa frase, pela primeira vez, as mulheres turcas foram às urnas. O novo governo da Turquia também ficou marcado pela secularidade do Estado, mesmo considerando que a maioria da população era, e ainda é, muçulmana.

 

“Aqueles que usam a religião para seu próprio benefício são detestáveis.” Atatürk

 

Mustafá Kemal Atatürk, ou “Pai dos turcos”, morreu em Istambul em 10 de novembro de 1938. Em 1981, em comemoração ao centenário de seu nascimento, foi homenageado pela ONU e UNESCO, que o descreveram como “o líder da primeira luta travada contra colonialismo e imperialismo” e um “notável promotor do sentido de entendimento entre os povos e de uma paz duradoura entre as nações do mundo e trabalhou toda a sua vida para o desenvolvimento da harmonia e cooperação entre os povos sem distinção”.

 

Enquanto visitávamos o museu e passávamos pelas salas de reuniões, escritórios e gabinetes que ajudaram a decidir o futuro da Turquia, fiquei pensando em como a história do mundo se conecta por fios; tão perceptíveis para alguns, enquanto, invisíveis para outros. Como me referi no início deste texto, a vitória de Atatürk mudou o destino do povo turco, porém a queda do império otomano e o assalto dos territórios árabes levou à instabilidade política e à decadência econômica de territórios explorados pelos britânicos e franceses. As consequências do período neocolonial levaram a Jordânia e o Líbano a passarem por inúmeras revoltas civis; o Iraque, rico em petróleo, foi saqueado e invadido; desde 2011 a Síria enfrenta uma guerra sangrenta que já vitimou milhares e fez 6,8 milhões de refugiados; e a Palestina, essa nunca se tornou um país independente e, pior, ainda vive sob regime de ocupação de europeus que se denominaram israelenses. Tudo para que potências que se dizem em prol da liberdade pudessem desfrutar “democraticamente” das riquezas saqueadas no Oriente Médio.

 

Se há algo que podemos aprender com o passeio de hoje é que os turcos lutaram e resistiram com bravura às forças invasoras; as mesmas que se declaravam a favor da liberdade e direitos civis; as mesmas que hoje se declaram democráticas, por mais que promovam genocídios e massacres no mundo árabe.

 

Ps: Finalmente consegui comprar botas novas!



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