top of page

Leia "A Teoria Freudiana e o Modelo Fascista de Propaganda" de Theodor Adorno; em Clandestino




Em um momento histórico em que o fascismo, longe de ser um fantasma do passado, ressurge com uma virulência renovada, travestido de novas roupagens, porém, por mais estupido que seja, como os mesmos slogans, é imperativo resgatar o pensamento de Theodor Adorno, um dos mais argutos e incisivos críticos das estruturas sociais e culturais que sustentam esse fenômeno. Adorno, cuja obra se ergue como uma arma contra autoritarismo, oferece-nos não apenas uma análise penetrante do fascismo do século XX, mas também ferramentas conceituais para decifrar suas reencarnações contemporâneas. Hoje, não estamos diante de um único fascismo, mas de uma constelação de fascismos que se infiltram em nossa sociedade, cada um com sua máscara peculiar: desde o MAGA (Make America Great Again), o mantra populista de Donald Trump, até o “patriotismo” neopentecostal de Jair Bolsonaro, passando pelo sionismo no Oriente Médio, que, em sua encarnação atual, já ceifou a vida de dezenas de milhares de palestinos e expande suas fronteiras de violência para o Líbano, a Síria e o Iêmen.

Adorno, é claro, não escreveu diretamente sobre o sionismo contemporâneo em suas obras, no entanto, sua crítica ao nacionalismo, à identidade coletiva e à instrumentalização política da memória histórica oferece uma perspectiva poderosa para compreendê-lo. Como membro da Escola de Frankfurt, Adorno desconfiava profundamente de qualquer ideologia que transformasse a identidade coletiva em um instrumento de exclusão ou violência. Mesmo sendo judeu e tendo fugido do nazismo, ele via com ceticismo a ideia de um Estado-nação judaico, temendo que ele reproduzisse as mesmas lógicas nacionalistas que tanto criticava na Europa. Para Adorno, a verdadeira emancipação não poderia ser alcançada através de projetos baseados em identidades nacionais, mas sim por meio de uma luta universal pela liberdade humana. Como ele mesmo afirmou em Dialética do Esclarecimento (1947), escrito em colaboração com Max Horkheimer: “A dominação da natureza, que o esclarecimento prometeu, converteu-se em dominação do homem pelo homem.” Essa ideia ressoa profundamente quando observamos como projetos nacionalistas, mesmo aqueles que se apresentam como emancipatórios, podem degenerar em formas de opressão.

Sua crítica ao uso político do Holocausto é particularmente relevante hoje, quando vemos a memória de tragédias históricas sendo instrumentalizada para justificar ações militaristas ou políticas de exclusão. Adorno alertava que a identidade coletiva, mesmo quando construída sobre uma história de perseguição, poderia se tornar repressiva e dogmática. Em O que significa elaborar o passado (1959), ele escreveu: “A exigência de que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação.” No entanto, ele também advertia contra a apropriação dessa memória para fins políticos, algo que vemos hoje quando a tragédia do Holocausto é invocada para justificar a violência de Estado ou a expansão territorial sionista na Palestina. Essa visão ecoa as preocupações de Hannah Arendt, que também questionou as implicações políticas do sionismo em sua forma estatal. Em Eichmann em Jerusalém (1963), Arendt criticou a instrumentalização do sofrimento judeu para fins nacionalistas, argumentando que isso poderia levar a uma inversão perversa dos valores éticos. Adorno, em sua própria análise, via com desconfiança a transformação do sionismo em um nacionalismo que, em última instância, poderia trair os princípios da emancipação humana. E, como a história recente tem demonstrado, ele estava certo.

Em 1951, durante seu exílio nos Estados Unidos, Adorno escreveu o ensaio A Teoria Freudiana e o Modelo Fascista de Propaganda, no qual explorou como a propaganda fascista manipulava as massas através de mecanismos psicológicos descritos por Freud. Ele argumentava que a propaganda não se limitava a impor ideologias, mas também mobilizava afetos inconscientes, criando uma relação de submissão entre líder e seguidores. Figuras como Hitler eram retratadas como simultaneamente poderosas e paternais, estimulando uma identificação emocional que suprimia o pensamento crítico e incentivava a obediência cega. Adorno observou que “a propaganda fascista é, em grande medida, uma técnica de manipulação psicológica que explora as fraquezas do indivíduo moderno, alienado e atomizado.” Esse ensaio, parte do projeto mais amplo da Teoria Crítica, buscava compreender como o autoritarismo se enraizava não apenas em regimes totalitários, mas também nas estruturas das sociedades democráticas.

Hoje, diante da ressurgência de líderes autoritários e da propagação de ideologias excludentes, o pensamento de Adorno se revela mais necessário do que nunca. Sua análise não apenas nos ajuda a compreender os mecanismos psicológicos e sociais que sustentam o fascismo, mas também nos oferece ferramentas para combatê-lo. Afinal, como ele bem sabia, o fascismo não é um fenômeno estático, mas uma doença social que se adapta e se reinventa. Em Minima Moralia (1951), Adorno escreveu: “Não há vida correta na falsa.” Essa afirmação, aparentemente simples, carrega uma crítica devastadora às sociedades modernas, onde a lógica do capital e do poder corrompe até mesmo as formas mais básicas de humanidade. Para Adorno, a luta contra o fascismo não era apenas política, mas também ética e existencial. Era uma luta pela preservação da individualidade e da capacidade de pensar criticamente em um mundo cada vez mais dominado por forças totalizantes.

Em resumo, Adorno nos oferece uma crítica implacável do fascismo e de suas manifestações contemporâneas. Sua obra nos lembra que o autoritarismo não é um acidente histórico, mas o produto de estruturas sociais e psicológicas profundamente enraizadas. E, como ele mesmo alertou, “o perigo não está apenas no passado, mas no fato de que as condições que o tornaram possível ainda existem.” Portanto, a luta contra o fascismo não é apenas uma batalha contra líderes autoritários ou ideologias excludentes, mas uma luta pela transformação radical das estruturas que tornam possível sua existência. E, nessa luta, o pensamento de Adorno permanece como uma arma indispensável. Afinal, como ele bem sabia, o preço da liberdade é a eterna vigilância. E, em tempos como os nossos, essa vigilância nunca foi tão urgente.

Clandestino, Março de 2025


Baixe já ou leia on-line em

LEIA ON-LINE GRATUITAMENTE OU ADQUIRA UMA DAS VERSÕES DA EDITORA CLANDESTINO.

Todos os arquivos estão disponíveis gratuitamente, porém, ao adquirir um de nossos arquivos, você contribui para a expansão de nosso trabalho clandestino.

ÚLTIMAS POSTAGENS

bottom of page