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Foto do escritorSiqka

Peste, Guerra, Fome e Morte: Quem são os Cavaleiros do Apocalipse na República Democrática do Congo?

Um país onde a vida parece valer menos que as riquezas enterradas em seu solo, onde doenças curáveis se espalham em proporções bíblicas, a fome assume uma dimensão dantesca, e a guerra se torna rotina perversa, consumindo a juventude e os sonhos de toda uma nação, enquanto a morte faz visitas diárias, casual e impune. Diante desse cenário, uma pergunta inevitável surge: quem são os verdadeiros cavaleiros do Apocalipse na República Democrática do Congo?


Em um relatório recente, a ONU informou sobre o aumento de 70% – em relação ao ano passado – na presença do M23 no leste congolês. O avanço recente do grupo rebelde M23 na República Democrática do Congo marca mais um capítulo de uma história vergonhosa que a comunidade internacional insiste em ocultar. A guerra pelo controle dos minerais na região não é meramente uma questão de conflitos tribais ou disputas locais; trata-se de uma das engrenagens centrais que movimenta a economia mundial. O M23, apoiado por Ruanda – que serve como intermediário de potências estrangeiras –, expandiu seu domínio sobre cinco das seis regiões do Kivu, avançando sobre áreas estratégicas ricas em ouro, coltan e outros recursos valiosos desde o final de 2021.


Não é coincidência que o M23 se fortaleça justamente nas regiões de Rutshuru, Nyiragongo, Beni, Masisi e Walikale, onde a produção de coltan é intensa. O envolvimento de Ruanda e o M23 representa apenas a ponta visível de um sistema sofisticado, que usa o sofrimento da população local como combustível para a tecnologia e o conforto da sociedade de consumo global.


Os minerais extraídos do solo congolês são essenciais para a fabricação de dispositivos eletrônicos como smartphones, notebooks, baterias de veículos elétricos e alguns dos produtos que chamamos de "verdes". Coltan, cobalto, ouro e diamantes fluem do continente africano para abastecer indústrias que promovem uma imagem "sustentável", mas que têm suas bases manchadas por sangue e miséria. A presença de um grupo rebelde como o M23, que se financia por meio de impostos sobre a extração de coltan e outros minerais, expõe uma cadeia de exploração onde cada engrenagem gira em um ciclo infinito de caos.


Esse sistema é perverso e opera em escala global: mineradoras e gigantes da tecnologia lucram diretamente com esse ciclo de violência. A ONU estima que os rebeldes arrecadam cerca de US$ 300.000 por mês em impostos sobre a produção de coltan nas áreas que controlam. O governo congolês acusa o M23 de transferir ilegalmente esses minerais para Ruanda. Relatórios recentes da ONU indicam que entre 3.000 e 4.000 soldados ruandeses estariam operando no Congo para auxiliar o M23, que conta com aproximadamente 3.000 combatentes. Essa aliança tem facilitado a rápida expansão territorial do grupo rebelde.


São muitos os números e cifrões que devemos considerar. Pense comigo: como pode um país entre os mais ricos em recursos estar entre os mais baixos na escala de pobreza e Índice de Desenvolvimento Humano? – A matemática não bate? Bem, sim, ela bate, e de forma cruel. Por um lado, a riqueza da RD Congo e outros Estados do continente africano há muito tempo enche os cofres de nações estrangeiras e imperialistas. Por outro lado, o dinheiro que fica não é investido em sua população, mas sim em armas para mantê-las cativas e trabalhando na extração de mais recursos. Mas também devemos considerar que, além da extração de minérios, as milícias que operam no Congo também precisam comprar suas armas e munição, o que, mais uma vez, faz o dinheiro cair nas contas de potências belicistas estrangeiras. Com tudo isso, como pode este país e sua população se libertar de tantas amarras?


Relatórios da ONU e de ONGs limitam-se a denunciar o envolvimento de forças ruandesas e alertar sobre o avanço do M23, mas apontam raramente os verdadeiros financiadores deste sistema de horror. Afinal, quem compra o coltan e o cobalto extraídos ilegalmente pelo M23? Quem lucra com essa matéria-prima barata, proveniente de um país onde os trabalhadores são tratados como escravos modernos? – A Resposta é simples: Os Cavaleiros do Apocalipse. Quem são eles?


No setor de tecnologia, empresas como Apple, Samsung, Google, Microsoft e Tesla estão entre os maiores compradores indiretos de minerais congoleses. Com o aumento da demanda por veículos elétricos, montadoras como Tesla, Volkswagen, General Motors, BMW e Daimler (Mercedes-Benz) são grandes consumidoras de cobalto. Empresas como Panasonic, LG Chem e CATL (Contemporary Amperex Technology Co. Limited) produzem baterias que requerem cobalto e outros minerais provenientes do Congo. LG Chem e CATL, por exemplo, estão entre as maiores fornecedoras de baterias para veículos elétricos e eletrônicos. Esses são apenas alguns dos cavaleiros do apocalipse congolês, mas a realidade é muito mais nefasta, principalmente se considerarmos que são os nossos pecados capitais – Soberba, Avareza, Luxúria, Ira, Gula, Inveja e Preguiça – que alimentam os cavaleiros do apocalipse congolês.


Como consumidores, não podemos fazer nada? A resposta é complexa, mas essencial para compreendermos nosso papel nesse cenário. Exigir transparência nas cadeias produtivas das empresas e pressionar por regulamentações que impeçam a exploração de minerais em zonas de conflito são passos viáveis, mas será que estamos dispostos a cortar o problema pela raiz? A verdade é que o conforto da vida moderna tem um custo, e quem paga são os congoleses, que vivem sob medo constante, governados não por um Estado, mas por grupos armados e corporações que usam a violência como ferramenta de lucro. O M23 é apenas uma fração de uma estrutura que, se desmantelada, colocaria em xeque a riqueza de muitos. Desvendar esse sistema não é apenas uma questão de justiça para o Congo, mas para todos que acreditam em um mundo onde as pessoas valem mais que máquinas.


Que nossa tecnologia não seja construída sobre alicerces de morte. É urgente subverter a lógica capitalista que alimenta o conflito e a exploração no Congo, exigindo um mercado global que não seja cúmplice do sofrimento humano. O Congo sangra, e enquanto não olharmos para nossas próprias mãos, o sangue continuará a manchar o solo africano – e, silenciosamente, a nossa própria humanidade.


Como última reflexão, ou profecia, se preferir: segundo o Livro de João, conhecido como Apocalipse, a marca da besta estaria impressa nas mãos dos homens. É quase uma ironia imaginar que essa marca possa ser o símbolo – ou logomarca – de uma "maçã mordida" — a mesma que nos expulsou do paraíso e nos lançou nos braços do pecado.



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