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Foto do escritorSiqka

A chacina israelense em Jenin

Após ter conhecido a resistência das ruas de Nablus, pretendíamos ter um dia tranquilo para conhecer um pouco dessa história. Mas, como tudo por aqui depende da vontade israelense, acabou saindo tudo completamente diferente do que esperávamos. Se a ideia era conhecer o significado de resistência, hoje foi o dia para sentir na pele.

 

A primeira parte do dia foi dedicada ao museu Mahmoud Darwish, poeta e escritor adotado como um símbolo da luta de libertação nacional. Na juventude, Darwish escrevia e recitava poemas sobre uma vida que conhecia bem, o sofrimento dos refugiados e a inevitabilidade de seu retorno. Em maio de 1965, Darwish leu em público pela primeira vez o poema “Bitaqat huwiyya”, em português “Cartão de Identidade”. Em poucos dias, seu nome e seu poema se propagaram pela Palestina e outros países árabes.

 

Darwish se tornou militante da Organização para Libertação da Palestina (OLP) na década de 1970, anos depois foi eleito para o Comitê Executivo da OLP. Em 1988, Yasser Arafat leu em Argel a Declaração de Independência da Palestina, as palavras no documento foram escritas pelo poeta Mahmoud Darwish.

 

A influência do escritor atingiu tamanha proporção que em 2000, Yossi Sarid, Ministro da Educação israelense, propôs que dois dos poemas do palestino fossem incluídos no currículo do ensino médio israelense. Ehud Barak, Primeiro-ministro à época, rejeitou a proposta protestando “não é o momento certo” para ensinar Darwish nas escolas.

 

"Cartão de Identidade [...] Registra–me, sou árabe tu me despojaste dos vinhedos de meus antepassados e da terra que cultivava com meus filhos e não os deixastes nem a nossos descendentes[...]" Mahmoud Darwish.

 

Entre os livros, prêmios, fotos e manuscritos inacabados em exposição, um artigo pessoal do autor nos fez parar; um velho livreto de páginas amareladas e corroídas pelo tempo: o famoso Cartão de identidade.

 

Visitado o museu e o mausoléu onde está enterrado o poeta revolucionário, seguimos até o próximo destino, outro museu e mausoléu, desta vez de Yasser Arafat.

 

Entre um ponto e outro da cidade, percebemos que todos os comerciantes começaram a guardar suas mercadorias e fechar as portas das lojas. As pessoas que circulavam pela rua também começaram a acelerar o passo, como se quisessem terminar o que estavam fazendo e voltar logo para casa. Não sabíamos o que estava acontecendo, mas era perceptível que aquilo era uma resposta para algo muito ruim. A primeira coisa que pensamos foi no comboio de escolta do prisioneiro liberto em Kobar. Tínhamos certeza de que alguma merda iria acontecer. Mandamos mensagens para Abu Khaled e para Ruayda. Nos preocupávamos de algo ter acontecido na cidade.

 

Como estávamos perto, e nem Abu Khaled, nem Ruayda haviam nos respondido ainda, decidimos seguir até o museu de Arafat.

 

Localizado no centro de Ramallah, este museu constitui a memória nacional palestina e sintetiza a história de um povo através de seu maior líder. Exibindo o icônico keffiyeh, armas, passaporte, fotografias e outros pertences do líder da OLP, incluindo o Prêmio Nobel da Paz de 1994. O museu constitui a narrativa de um povo que resistiu ao Império Otomano, Mandato Britânico, as guerras e ataques para formação do Estado de Israel, e agora contra a ocupação colonial, o regime de apartheid e o plano de limpeza étnica sionista. A visita acaba nas salas da Mukata’a, quartel-general onde Arafat ficou enclausurado enquanto o exército israelense o bombardeou de 2001 a 2004, véspera de sua morte – diga-se de passagem, repleta de controvérsias, com fortes indícios de envenenamento.

 

A visita foi realmente emocionante. Devo confessar que já visitamos muitos memoriais de outros heróis, não vou comentar quais para não ser injusto com os outros, mas o memorial de Yasser Arafat foi o mais emocionante de todos, principalmente por estar vinculado ao mausoléu do Presidente proibido por Israel de ser enterrado em Jerusalém, como era de seu desejo. O mausoléu onde se encontra o corpo de Arafat, foi construído com esmero, sobre a água para expressar que no futuro, com a libertação da Palestina e o reconhecimento de um estado independente, seu corpo será movido para a capital, Jerusalém.

 

Assim que finalizamos a visitação, o Lucas pegou o celular para verificar as horas, foi quando percebeu que Abu Khaled tinha ligado algumas vezes. Ele estava tão envolvido pelos corredores da Mukata’a que nem percebeu. Retornamos a ligação e Abu Khaled pediu para encontrarmos com ele no Centro Cultural Khalil Sakakini. Teríamos que retornar para Kobar com ele porque o transporte público logo pararia de funcionar.

 

Ele disse que o motivo do comércio ter sido fechado em Ramallah foi mais uma chacina promovida contra o campo de refugiados em Jenin[1]. Até o momento que nos falamos, nove palestinos haviam sido assassinados e outros 20 estavam feridos, quatro em estado grave. A Autoridade Palestina declarou luto oficial de três dias em todo território.

 

Chegando em casa, passamos o restante do dia acompanhando as notícias. Infelizmente, todos na frente da televisão sabíamos que aquele seria o início de mais uma escalada de violência e morte promovida pelos israelenses. Segundo reportado pelos veículos de comunicação, às 7h05 da manhã os soldados israelenses fecharam as estradas em direção à Jenin e cortaram a comunicação e internet da região, indicando uma ação premeditada. A seguir, as IOF invadiram o campo de refugiados ao norte do território palestino e abriram fogo contra pessoas que se organizavam em um centro de convenções para uma manifestação na comunidade. O governo israelense alegou uma ação preventiva contra células da Jihad Islâmica. – Mentira! Os soldados sionistas atiraram indiscriminadamente, tanto que uma senhora de 60 anos morreu enquanto observava a invasão da janela de sua casa.

 

Estranhei que nenhum amigo ou parente mandou mensagem, ou ligou para saber se estávamos vivos. Na prática, já sabíamos que notícias sobre as violações israelenses, superficialmente ou raras vezes são noticiadas no Brasil. Nossos familiares e amigos – pelo menos os que não estão vinculados à nossa luta pela causa palestina – jamais ficariam sabendo o que estava acontecendo ao nosso redor se dependesse do interesse da mídia. Esse fenômeno de desinteresse não acontece só no Brasil, deploravelmente isso acontece em todo o ocidente, que “normalizou” e “aceitou” o estágio de genocídio permanente perpetrado pelos sionistas.

 

Após conhecer a história do povo palestino e ver o acervo documentado nos museus de Mahmoud Darwish e Yasser Arafat, fomos dormir pensando estarmos vivenciando, pela primeira vez de dentro dos muros do apartheid, algo com que os palestinos aprenderam a conviver em seu cotidiano. É lamentável que o genocídio palestino aconteça há tanto tempo, enquanto a comunidade internacional assiste a tudo isso de camarote, enquanto chamam os palestinos de “terroristas” e as agressões israelenses de “legítima defesa”. Fomos dormir com mais uma certeza: amanhã, a violência continuará!

 

Dedicado às famílias dos mártires de Jenin.




 

[1] O Campo de Jenin, localizado no norte da Cisjordânia, foi criado em 1953 para abrigar os palestinos expulsos de suas casas durante a Nakba.

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