Conselho de Direitos Humanos denuncia PMs por ato 'supremazista' à ONU
- Clandestino
- 18 de abr.
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Vídeo gravado por policiais militares de São José do Rio Preto acende alerta sobre avanço de práticas supremacistas dentro das forças de segurança. Conselho Nacional de Direitos Humanos cobra resposta internacional e propõe política nacional contra o neonazismo.

A cena é perturbadora: fardas alinhadas, uma cruz incendiada ao centro e gestos que evocam rituais racistas. O registro, feito por integrantes do 9º Batalhão de Ações Especiais da PM de São Paulo, ganhou repercussão nas redes sociais — ainda que tenha sido apagado rapidamente. Mas não rápido o suficiente para escapar aos olhos do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que levou o caso à Organização das Nações Unidas.
A denúncia foi protocolada junto à Relatoria Especial da ONU sobre Neonazismo e Discriminação Racial, chefiada pela indiana Ashwini K.P., e aponta para a gravidade simbólica e institucional do ato. A relatoria está reunindo elementos para um relatório oficial a ser apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.
O documento, assinado por Charlene da Silva Borges, presidenta do CNDH, solicita que o Brasil seja pressionado internacionalmente a adotar uma política pública robusta de combate às manifestações neonazistas, com ações coordenadas entre os poderes e envolvendo segurança, cultura e educação.
Não é um caso isolado
De acordo com Carlos Nicodemos, relator do CNDH para temas relacionados ao discurso de ódio, o episódio representa uma ruptura com os fundamentos constitucionais do Estado brasileiro e deveria ser tratado com o máximo rigor por organismos internacionais.
“O que ocorreu não é apenas um erro de procedimento. É um sinal de que práticas autoritárias e ideologias supremacistas vêm sendo toleradas — e até reproduzidas — dentro de estruturas armadas do Estado”, alertou.
Segundo ele, o CNDH tem mantido diálogo constante com a ONU sobre a ascensão do neonazismo no Brasil e vê na exposição do caso uma oportunidade de mobilização internacional para conter o avanço desse tipo de conduta.
Segurança pública ou ameaça institucional?
O CNDH lembra que a Polícia Militar, conforme estabelecido pela Constituição, deve atuar na proteção da ordem pública com base no respeito à dignidade humana. A postura dos policiais no vídeo — realizado durante uma suposta cerimônia de final de treinamento — viola flagrantemente esse princípio.
A denúncia observa que o uso de símbolos racistas por servidores públicos fardados implica contaminação simbólica da própria instituição militar, e exige responsabilização urgente.
"A associação explícita a práticas historicamente ligadas ao terror racial não pode ser tratada como uma 'encenação simbólica'", destaca o documento.
O vídeo e a simbologia do ódio
Com menos de um minuto, o vídeo mostra cerca de dez agentes posicionados em torno de uma cruz em chamas. Os gestos remetem a cerimônias promovidas por grupos de supremacia branca, como a Ku Klux Klan. A gravação circulou brevemente antes de ser excluída, mas gerou reações imediatas — inclusive do Ministério Público de São Paulo, que anunciou a abertura de investigação.
A PM paulista alegou que o vídeo foi parte de um “ritual simbólico de superação de limites físicos e psicológicos” e negou qualquer intenção ideológica. No entanto, o caso será investigado internamente.
A banalização do extremismo
Para o CNDH, o vídeo é mais do que um erro pontual: é um reflexo de como o extremismo se infiltra em estruturas oficiais sem encontrar resistência institucional à altura. O Conselho defende que o enfrentamento ao neonazismo deve ultrapassar a esfera das punições pontuais e se tornar uma política de Estado.
Em sua recomendação à ONU, o órgão sugere que o Brasil crie diretrizes nacionais que articulem ações educativas, culturais e de segurança para desmantelar a presença de ideologias de ódio nas forças de segurança e demais instituições.
Estado cúmplice ou ausente?
O caso reacende o debate sobre o papel das corporações militares em uma democracia. Quando agentes armados se apropriam de símbolos de violência racial e os celebram como rituais de passagem, não estamos diante apenas de um problema disciplinar — estamos diante de uma ameaça política.
No Brasil, a herança da ditadura militar nunca foi totalmente rompida. Quando o silêncio institucional prevalece diante do autoritarismo, ele se torna cúmplice.
A denúncia internacional é um chamado à vigilância: o fascismo de farda não será contido com notas oficiais ou promessas vagas. É preciso confrontá-lo com ações concretas — antes que a chama da cruz se alastre para além da tela.