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Foto do escritorSiqka

A detenção administrativa israelense sob a lei internacional

A detenção administrativa é uma prática reconhecida pelo direito internacional, contudo, a abordagem sionista na sua aplicação destoa em termos de conformidade legal. Juridicamente falando, a detenção administrativa é aceitável em circunstâncias excepcionais e por um período curto e previamente definido, a sua implementação extensiva e sistemática contra os palestinos não está alinhada com as diretrizes estipuladas pelo código de leis de direitos humanos da Quarta Convenção de Genebra.

 

“Se, por razões imperiosas, a Potência ocupante julgar necessário tomar medidas de defesa em relação às pessoas protegidas, poderá, quando muito, impor-lhes residência fixa ou proceder a seu internamento. As decisões relativas à residência fixa ou ao internamento serão tomadas em processo regular, que deverá ser determinado pela Potência ocupante, nos termos da presente Convenção. Esse processo deverá prever o direito de recurso dos interessados. Esses recursos serão decididos no menor prazo possível. Se as decisões forem mantidas, serão objeto de revisão periódica, se possível semestral, por parte de um organismo competente instituído pela referida Potência. As pessoas às quais é imposta a residência fixa, sendo, portanto, obrigadas a abandonar seu domicílio, poderão beneficiar-se, sem qualquer restrição, do disposto no artigo 39 da presente Convenção.” Artigo 78 [31]

 

Redigida em 1949, a Quarta Convenção de Genebra trata da proteção de civis em tempos de guerra. Ela permite à potência ocupante usar a detenção administrativa apenas em circunstâncias raras e excepcionais. O que Israel faz é empregar rotineiramente essa medida contra milhares de homens, mulheres, crianças, idosos e jornalistas palestinos. Essa interpretação deliberadamente distor­cida transforma um processo prospectivo e preventivo em um processo penal com objetivos punitivos e retroativos.

Em 2020, durante o período abrangido pelo relatório, aproxi­madamente 26 jornalistas, incluindo 6 mulheres, foram detidos ou presos pelas forças israelenses. O PCHR documentou diversos casos de detenção ou prisão de jornalistas em serviço ou em suas próprias casas após invasões e buscas, simplesmente por serem jornalistas. Quatro jornalistas ainda estão detidos; alguns foram condenados, outros foram submetidos à detenção administrativa com renovação repetida de suas prisões. Outros jornalistas detidos não foram sentenciados ou condenados por nenhuma acusação.

No dia 3 de maio de 2019, as forças israelenses detiveram dois jornalistas enquanto cobriam incidentes em Yatta, localizada ao sul de Hebron. Naquele dia, dezenas de civis palestinos, ativistas isra­elenses e defensores dos direitos humanos se reuniram para realizar um trabalho voluntário, reparando uma estrada de terra que conecta as regiões oeste e sudeste de Yatta. Quando as forças israelenses chegaram à área e ordenaram que os participantes se retirassem, alegando que se tratava de uma zona militar fechada, eles se recusaram a sair e continuaram seu trabalho. Isso desencadeou um confronto no qual os soldados agrediram e lançaram os participan­tes ao chão. Como resultado, 15 ativistas estrangeiros e três civis palestinos foram presos. Os soldados detiveram Abdul Hafith Al-Hashlamoun, um jornalista de 45 anos que trabalhava para a agência Associated Press (AP), e Ahmed Al-Bath, um jornalista freelance de Nablus. Todos os detidos foram levados ao centro de polícia israelense no assentamento de Kiryat Arba.

 

Em 08 de outubro de 2019, a polícia israelense entregou intimações a Maisa'a Mahmoud Abu Ghazalah, de 34 anos, repórter da Ma'an News Agency, e a Sundos Abdul Rahman Abu Baker Owais, de 23 anos, repórter do Canal de TV Al Jazeera. Eles foram convocados para uma investigação no Centro de Polícia. Ambos foram interrogados por perturbar a ordem pública ao fotografar colonos israelenses invadindo a mesquita de Al-Aqsa, mas posteriormente foram liberados.

 

Em 31 de outubro de 2019, o escritor e jornalista Ali Abdul Rahim Jaradat, de 64 anos, foi detido em sua residência. As forças israelenses realizaram uma busca em sua casa, conferiram os documentos de identidade de sua família e o transferiram para a prisão de Ofer, localizada a oeste de Ramallah. Sua detenção administrativa por um período de 6 meses foi anunciada cerca de uma semana após a sua captura, que se estendeu até 30 de abril de 2020. O advogado de Jaradat, recorreu da sentença argumentando que o juiz militar não apresentou evidências de que o detido mantinha vínculos com a “organização proibida” que foi acusado. Jaradat já havia passado 14 anos cumprindo penas separadas em prisões israelenses.

 

Em 6 de dezembro de 2019, as Forças de Ocupação de Israel prenderam toda equipe do canal Satélite Palestina e um dos convidados durante a transmissão do programa semanal “Bom dia Jerusalém”. Os detidos incluíam Dana Abu Shamsiyah, o apresen­tador do programa, o fotógrafo Amir Abed Rabbuh e o ex-prisio­neiro Mohammed Al-Abasi, que era o convidado do show. Essa ação ocorreu após uma incursão das IOF no local e a apreensão de equipamentos fotográficos. Além disso, a jornalista Christine Renawi e o fotógrafo Ali Yaseen foram presos após o término do programa e tiveram suas câmeras confiscadas. A ação aconteceu depois que o Ministro de Segurança Pública, Gilad Erdan[1], emitiu uma decisão em 20 de novembro de 2019, facilitando a punição de atividades de mídia consideradas hostis pelas autoridades israelenses.

 

Em 9 de dezembro de 2019, a IOF prendeu o jornalista Sameh Jabr Al-Titi, repórter da emissora afiliada à Universidade de Hebron, em sua casa no campo de refugiados de Al-Aroub, ao norte de Hebron. Houve busca e revista em sua casa antes da prisão, seguida de interrogatório pela promotoria militar israelense, que o acusou de postar notícias falsas, enganosas e inflamatórias em sua página do Facebook, além de fotografar a torre de vigia militar na entrada do campo de refugiados de Al-Aroub. A detenção de Al-Titi foi prorrogada várias vezes. Em 1 de março de 2020, ele foi julgado, mas não houve veredicto. A sessão de julgamento foi adiada até 19 de abril de 2020, quando finalmente, o Tribunal Militar israelense, sentenciou Al-Titi a seis meses de prisão, aplicando uma multa de 5.000 shekels.

 

Em 11 de dezembro de 2019, as forças israelenses realizaram uma operação de busca e apreensão na residência de Bushra Jamal Al-Taweel, jornalista e fotógrafa associada à Rede Anin Al-Qaid. Durante a ação, as IOF também detiveram o pai de Bushra, que é líder sênior do Hamas e havia sido libertado recentemente. Bushra já havia enfrentado prisões em diversas ocasiões devido ao seu trabalho jornalístico, sendo a última delas em novembro de 2017. Logo após a prisão, ela foi submetida à detenção administra­tiva, inicialmente com duração de 8 meses. Os Serviços de Inteligência de Israel estenderam o período de sua prisão administrativa por mais 4 meses.

Em 21 de janeiro de 2020, as IOF detiveram o jornalista Yazan Ja'far Fawzi Abdullah Abu Salah, com 26 anos de idade, fotógrafo da revista Al-Hadaf e a Beesan Association. Ele reside em Arraba, localizada a sudeste de Nablus. A prisão de Abu Salah ocorreu quando ele estava viajando em um táxi de Ramallah para Nablus, passando por um posto de controle militar temporário na estrada. Ele foi posteriormente transferido para a prisão de Al-Jalama, localizada ao norte da Cisjordânia. As autoridades israe­lenses prorrogaram a detenção de Abu Salah em mais de 6 ocasiões e impediram que seu advogado o visitasse.

 

Em 24 de janeiro de 2020, as IOF detiveram Abdul Karim Darwish, 25 anos, após invadir e revistar sua casa no bairro de Beit Hanina, ao norte de Jerusalém. Darwish foi levado à delegacia, onde foi liberado com uma ordem de proibição de entrada na mesquita Al-Aqsa por 10 dias.

 

Em 24 de janeiro de 2020, as IOF detiveram o jornalista Amjad Mohammed Arafa, 40 anos, após invadir e revistar sua residência na Cidade Velha ocupada de Jerusalém Oriental. Arafa foi conduzido à delegacia de polícia de Salah al-Dein. Ele foi libertado com uma ordem de proibição de entrada na Mesquita de Al-Aqsa por 15 dias.

 

Em 9 de fevereiro de 2020, as IOF invadiram e revistaram a residência do jornalista Jabr Titit, 37 anos, localizada no campo de refugiados de Al-Aroub, ao norte de Hebron. Al-Titit relatou ao pesquisador de campo do PCHR que, por volta da 01:30, as IOF entraram em sua casa, apontando armas em sua direção, causando temor em sua família e filhos. Ele acrescentou que foram levados para fora do edifício e que os soldados iniciaram uma busca minuciosa em seu apartamento, bem como nos apartamentos de seus irmãos, antes de liberá-los.

 

Em 21 de fevereiro de 2020, a IOF prendeu o jornalista Emad Jabrin enquanto cobria os confrontos entre a IOF e os civis palestinos. Isso ocorreu quando a IOF estabeleceu um posto de controle militar temporário na entrada oeste de Taqoua, ao sul de Belém, verificando os veículos dos palestinos e suas carteiras de identidade. Dezenas de jovens palestinos se reuniram e lançaram pedras nos soldados, que responderam com disparos de balas de borracha e munição real atingindo várias pessoas. Jabrin foi detido na torre de vigia militar e liberado após duas horas.

 

Em 26 de fevereiro de 2020, a IOF prendeu Mujahed Bani Mifleh, 31 anos, que atua como editor no Al-Quds.com. Isso acon­teceu quando ele estava dirigindo com sua esposa e filhos e passando por um posto de controle militar estabelecido na estrada de Ramallah a Nablus. Ele foi então levado para a delegacia de polícia no assentamento Ariel, onde foi interrogado devido ao seu trabalho e suas postagens no Facebook. Em 01 de março de 2020, estava programada para ser sua sessão de julgamento, mas foi adiada para 05 de março de 2020, quando o veredicto foi proferido no Tribunal Militar de Salem, resultando em sua libertação.

 

Em 16 de abril de 2020, os Serviços de Inteligência de Israel convocaram Christine Khaled Rinawi, repórter da PalestineTV em Jerusalém, por meio de uma ligação telefônica, para que ela se dirigisse à Delegacia de Polícia de al-Moskobiyeh, em Jerusalém Ocidental, por volta das 22h do mesmo dia. Rinawi relatou que os Serviços de Inteligência de Israel a interrogaram por 3 horas consecutivas sobre seu trabalho na emissora e as mensagens que ela divulgou em sua página no Facebook. Ela acrescentou que os Oficiais de Segurança a acusaram de não cumprir a decisão do Ministro de Segurança Pública, Gilad Erdan, de proibir a equipe de TV de realizar qualquer trabalho por 6 meses, decisão que expirou há dois dias. Rinawi mencionou que foi ameaçada pela Autoridade Israelense de renovar a decisão de banir a equipe da PalestineTV em Jerusalém. Seis meses atrás, a IOF fechou o escritório da emissora, prendendo e proibindo seus funcionários de trabalhar.

 

No ano de 2021, as Forças de Ocupação de Israel emitiram 1.595 ordens de detenção administrativa contra palestinos, alguns dos quais foram detidos ao longo do ano, incluindo crianças, enquanto outros tiveram suas sentenças renovadas em várias ocasiões. Alguns indivíduos foram mantidos em detenção adminis­trativa por anos, com possibilidade de ficarem presos por mais de uma década, enquanto outros viram suas sentenças serem renovadas repetidamente, com períodos de 3 ou 6 meses.

 

Em 2022, o PJS documentou 40 incidentes de prisão de jornalistas, envolvendo aproximadamente 17 colegas, homens e mulheres, que permaneceram detidos pelas autori­dades de ocupa­ção. No mesmo contexto, 58 jornalistas foram levados a tribunais militares injustos, onde alguns deles foram condenados à prisão e multas aplicadas.

 

Antes de outubro de 2023, havia uma estimativa de mais de 5.200 prisioneiros palestinos em Israel, incluindo 1.264 detentos administrativos, 170 crianças e 33 mulheres, conforme informa­ções da organização Addameer. No entanto, após um mês de cerco a Gaza e incursões na Cisjordânia, o número de prisioneiros tornou-se incerto, podendo aumentar em milhares à medida que a situação avança cada vez mais para dentro dos Territórios Palestinos Ocupados.

 

Restringir a mobilidade dos jornalistas não apenas limita a disseminação da informação, equivalente a aprisionar os pássaros em gaiolas, negando-lhes a liberdade de voar e abafando seu canto. Lamentavelmente, para além das restrições impostas por Israel, existem outras formas de restringir o alcance dos pássaros palestinos, sendo a mais eficaz a de cortar suas asas. O Estado de Israel pode até manter esses pássaros engaiolados, mutilar suas asas e até recorrer ao disparo de munições reais, porém, mesmo assim, não consegue silenciar seu canto de resistência.






 

[1] Gilad Menashe Erdan nasceu em Ashkelon. Seus pais são de ascendência judaica romena e húngara. Enquanto Ministro de Segurança Interna, autorizou os diretores de presídios a solicitar intervenções médicas para interromper as greves de fome dos prisioneiros palestinos e forçar a alimentação dos detentos administrativos.

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