Dia de deixar Ankara rumo ao extremo oriente do país, em uma jornada de mais de 24 horas de trem
- Clandestino
- 16 de dez. de 2024
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Com apenas uma hora para o embarque, me pego refletindo sobre o que foi conhecer essa cidade. Antes de virmos, li muitos relatos de viajantes que minimizaram sua relevância simbólica, cultural e política – alguns até afirmando que não valeria a pena visitá-la. Discordo completamente e compartilho aqui alguns bons motivos para isso.
Ankara é um lugar onde o antigo e o moderno se encontram formando uma melodia única, onde tradição e inovação convivem em harmonia.

Comecemos pela antiga cidadela, com suas mesquitas que remontam à época dos sultanatos, exibindo pilares e interiores de madeira que testemunham séculos de história. Em contraste, destacam-se construções modernas de grande porte, como a imponente Mesquita Kocatepe – uma das maiores do país e, na minha opinião, uma das mais belas do mundo, perdendo talvez apenas para a Mesquita Mohammad Ali, no Cairo. A cidade também abriga igrejas e sinagogas, refletindo a diversidade religiosa da Turquia ao longo dos séculos.
Essa fusão de passado e futuro ecoa a visão de Mustafa Kemal Atatürk e dos Jovens Turcos ao sonharem com a República da Turquia.
Antes da fundação da República, Istambul era a capital – um símbolo do antigo regime otomano. Atatürk, no entanto, queria uma nova capital que representasse a modernidade, a identidade nacional turca e uma ruptura simbólica com o passado imperial. Ankara, no interior do país, oferecia não apenas maior segurança contra invasões, mas também um terreno ideal para a construção de um novo centro administrativo e cultural, alinhado aos ideais republicanos e secularistas. Em 13 de outubro de 1923, a cidade foi proclamada oficialmente a capital da Turquia, marcando o início de grandes transformações.
A importância de Atatürk para Ankara – e para todo o país – é simbolizada pelo Anıt Kabir, seu mausoléu, um dos locais mais visitados e reverenciados da Turquia, que, inclusive, visitamos duas vezes.

Mas Ankara não se resume à República ou a Atatürk. Muito antes disso, a cidade já ocupava uma posição estratégica nas rotas comerciais. Desde cerca de 2.000 a.C., foi habitada por hititas, frígios, lídios, romanos, bizantinos, seljúcidas e otomanos. Cada civilização deixou sua marca, criando um mosaico cultural fascinante, muito bem preservado no Museu das Civilizações da Anatólia, que exibe artefatos de diversas eras da história.
Hoje, com mais de 5 milhões de habitantes, Ankara é uma cidade moderna e vibrante, servindo como coração político, administrativo e cultural da Turquia. Abriga instituições fundamentais, como a Grande Assembleia Nacional da Turquia e a residência presidencial. Além disso, impressiona pela quantidade de universidades e livrarias, refletindo as prioridades de uma civilização que valoriza o conhecimento e a educação.
Nos últimos anos, Ankara tem passado por um crescimento urbano significativo, com novos projetos de infraestrutura, arranha-céus e uma economia em expansão. Ainda assim, a cidade preserva um equilíbrio admirável entre seu rico passado histórico e a busca incessante por modernidade.
Se pudesse escolher uma cidade das que visitamos para viver por alguns anos, Ankara certamente estaria entre as opções, ao lado de Bangkok, Cidade do México e, claro, Istambul e Izmir.
Ao me despedir, sentado no terminal de trem, vejo ao meu redor a essência dessa cidade que tanto me encantou: jovens com roupas modernas e celulares em mãos, senhores elegantemente trajados com sobretudos e cachecóis, mulheres carregando malas e vestindo roupas ao estilo ocidental com as pernas de fora - apesar do frio do caralho -, enquanto outras ostentam belos lenços que refletem sua fé ou cultura. Aqui, ninguém parece preocupado com a vestimenta ou escolhas de quem está ao lado – cada um segue sua vida sem julgamentos ou preconceitos.
É uma convivência harmoniosa entre um passado que persiste e um futuro que avança. Se essa era a sociedade que Atatürk sonhou para seu país, posso dizer que, pelo menos em Ankara, esse sonho se realizou.