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Foto do escritorSiqka

Um espião transparente e responsável de Israel

A pressão internacional fez com que a NSO Group divulgasse em 2021 seu primeiro relatório de transparência e responsabili­dade. Com 32 páginas, a NSO alegou a eficácia e ética de seus produtos, reforçando que todos os clientes da empresa estão alinhados ao compromisso com a segurança e proteção pública.

Outro detalhe notável no relatório é que a NSO utilizou catás­trofes no Brasil, Nepal e México para justificar a utilização de seus produtos de espionagem.

 

“Nosso objetivo é ajudar os estados a proteger seus cidadãos e salvar vidas. Nossos produtos de busca e resgate de ponta ajudam os socorristas a determinar rapidamente quem está desaparecido e localizar esses indivíduos, e ajudaram a salvar vidas em várias situações catastróficas, incluindo o colapso da barragem do Brasil em 2019, o terremoto do Nepal em 2015, o terremoto do México em 2017 e o estacionamento de Tel Aviv que desabou em 2016. Nossas ferramentas de análise de dados auxiliam as autoridades a processar grandes quantidades de informações e identificar padrões que permitem a rápida identificação de suspeitos.” NSO Group, 2021 [80]

 

De fato, o rompimento da barragem de Brumadinho foi um dos piores desastres da história brasileira. Em cooperação com o go­verno de Jair Bolsonaro, o Primeiro-ministro Benjamin Netanyahu coordenou o envio de uma delegação com­posta por sol­dados, oficiais, engenheiros, médicos e especialistas da marinha israelense para oferecer assistência no resgate. Ao todo, foram mobilizados 136 profissionais e mais de 16 toneladas de equipamen­tos de alta tecnologia com o objetivo de auxiliar na localização, busca e resgate de sobreviventes. Os recursos incluíam também os softwares da NSO Group, usados na operação de busca.

A equipe de resgate de Israel encerrou suas atividades junto aos bombeiros brasileiros depois de quatro dias [81]. Apesar dos esfor­ços conjuntos, não foi possível encontrar nenhuma vítima ou sobrevi­vente, o que difere das informações apresentadas no relatório de transparência da NSO. Na época, o tenente-coronel Eduardo Ângelo, líder das operações de resgate, enfatizou que os tais equipamentos de origem israelense utilizados em Brumadinho “não são efetivos para esse tipo de desastre” [82].

Jornalistas e analistas políticos brasileiros sugeriram que havia “segundas intenções” para Israel ter enviado “ajuda”, principal­mente em questões envolvendo tecnologia, urnas eletrônicas e um presidente golpista. Embora a afirmativa, até o momento, não tenha sido confirmada, nossa catástrofe e nossos mortos serviram para a empresa de espionagem israelense mudar o código da comunicação a seu favor e estampar a sua mensagem em folhetos de venda.

 

“O suposto comprometimento da NSO com os direitos humanos parece ser mais uma estratégia de relações-públicas do que uma verdadeira tentativa de mudança de direção. Seu recente relatório de transparência parece mais um folheto de marketing.” ... “Se a NSO está realmente empenhada em promover reformas, por que continua a atacar a sociedade civil e a tentar nos silenciar nos tribunais?” Danna Ingleton, Diretora da Amnistia Tech. [83]

 

Equiparar o relatório da NSO a um panfleto de vendas, não foi nem de longe um equívoco cometido por Danna Ingleton. O docu­mento de transparência e responsabilidade fez uso da expressão “terrorismo” em 36 ocasiões, incluindo o título, e utilizou a palavra “transparên­cia” 17 vezes. O que sugere que o foco do relatório está mais direcionado a fazer acusações de terrorismo do que discutir a transparência de suas vendas e operações. Também não podemos ignorar que o governo israelense e vários de seus políticos rotularam organiza­ções como Médicos Sem Fronteiras, Anistia Internacional, Humans Right Watch, a Defense for Children Palestine e até mesmo a Organização Mundial de Saúde como organizações ter­roristas.

Uma reviravolta no caso de uso de softwares espiões israelenses no Brasil, fez o autor a acrescentar algumas informações durante a edição deste livro.

Em outubro de 2023, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou o afastamento de cinco servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) incluindo a prisão de dois deles, como parte de uma investigação sobre o uso de um programa de monitoramento de celulares utilizado pela agência. A Polícia Federal realizou 25 mandados de busca e apreensão e ouviu depoimentos de 20 servidores.

De acordo com a Polícia Federal, a Abin usou o “First Mile” em mais de 30 mil ocasiões e posteriormente deletou as informa­ções. Desse montante, os investigadores detalharam 1.800 usos relacio­nados a políticos, jornalistas, advogados e opositores do governo. O Spyware possibilitava identificar a “localização da área aproximada de aparelhos que utilizam as redes 2, G e 4G” [84].

A Abin comprou o software de rastreamento desenvolvido pela empresa israelense Cognyte, adquirida por R$ 5,7 milhões em 2018 e usada durante o governo Bolsonaro até meados de 2021. A agência assinou contratos de R$ 34 milhões sem licitação entre 2019 e 2022, sendo R$ 31 milhões sob sigilo. O programa foi operado pela Abin sob justificativa de “segurança de Estado”, uma desculpa nenhum pouco original. A polícia também investiga o uso do spyware para o monitoramento de membros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Se a NSO decidiu brincar de esconde-esconde, mudando seu nome para Cognyte e o programa espião “Pegasus” para “First Mile” não podemos afirmar, mesmo que ambos funcionem pelo mesmo modus operandi e têm os mesmos alvos na mira. Isso nos deixa com uma preocupação extra. – Será que existe mais de uma empresa israelense oferecendo esse tipo de serviço? Quem sabe até mais de uma delas espionando os brasileiros? É como se estivésse­mos assistindo a um thriller de péssimo gosto, do qual somos os próprios protagonistas. O caso de espionagem da Abin e seu envolvimento com as empresas espiãs de Israel, seguem sendo investigadas pelo Ministério Público, conhecendo um pouco desse tipo de operação israelense, me arrisco a dizer que em breve teremos algumas notícias chocantes.


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