Capadócia, a terra dos belos cavalos
Ontem choveu, sabíamos que hoje estaria tudo branquinho de gelo. Os planos para o dia eram fazer o câmbio de moeda, comprar a passagem de volta para Istambul e depois subir novamente ao Sunset Point para aproveitar e fotografar o vale nevado. Mudança de planos! De última hora, nosso roteiro se retorceu no avesso. Ao invés de comprar a passagem para Istambul, compramos para Izmir; como o ônibus parte amanhã às 18h30 – antes do que nos programamos – mudamos também o tour do dia e antecipamos a visita ao Museu ao Ar Livre de Göreme.
No caminho até o museu, entre Göreme e Ürgüp, passamos pelo Museum Ranch, uma espécie de haras de onde saem passeios a cavalo pelos vales ao redor. Enquanto caminhávamos pelo local, observei os belos animais e pudemos entender por que toda essa região se chama Capadócia. No século V a.C., os reis persas Dário e Xerxes, – aquele interpretado por Rodrigo Santoro no filme 300 – receberam cavalos desta região como tributos. Os persas então batizaram a região de Katpatuka, a qual quer dizer “Terra de Belos Cavalos”. Existem também outras fontes que contradizem a origem do nome, afirmando que deriva de Katpadukya, do vocabulário hitita que quer dizer o mesmo. De quem o nome Capadócia derivou de verdade, eu não sei; só sei que ambos estavam certos e essa realmente é uma região com os mais belos cavalos.
Caminhando mais um pouco, chegamos ao famoso Museu ao Ar Livre da “Terra dos Belos Cavalos”. A área do museu foi declarada Patrimônio Mundial da UNESCO em 1985, o que tornou o local como destino mais procurado pelos turistas. E por qual motivo? Porque aqui simplesmente se encontram as igrejas e monastérios dos séculos X e XI mais bem preservados da Turquia. Nos tempos romanos pré-cristãos, o vale de Göreme, especificamente a região do Museu ao Ar Livre, se popularizou por conta dos fiéis que peregrinavam até os templos e cemitérios esculpidos nas rochas.
“O Museu a Céu Aberto de Göreme abriga diversas igrejas escavadas na rocha e uma arquitetura incrível, com pinturas que ainda mantêm um pouco das cores originais. São mais de 10 mosteiros, cada um associado a uma igreja, como a de Santa Bárbara da Cobra (onde está um afresco com São Jorge em seu cavalo), infelizmente é proibido fotografar na maioria das igrejas. É um passeio imperdível para quem visita à Capadócia.” Diana Emidio
Os monges eremitas encontraram no Vale de Göreme um local de paz e tranquilidade para praticar a espiritualidade da vida monástica, principalmente por santos de outras épocas serem enterrados nessas mesmas cavernas. Tokali Kilise, uma igreja construída e reformada algumas vezes na antiguidade, é a peça mais preciosa do complexo, com as mais belas pinturas e afrescos que narram a vida de Jesus. Infelizmente, ou felizmente, fotografar ou gravar vídeo dentro da igreja de Tokali é proibido, sendo assim, fica somente as fotos da área externa. Caso tenha curiosidade, garanto que vale a pena saber mais sobre essa igreja e ver suas pinturas disponíveis no site oficial da Capadócia histórica, principalmente porque dentro de alguns dos locais que visitamos, é estritamente proibido fotografar e, aprendemos isso da pior maneira.
Logo que entrei na primeira igreja, comecei a fotografar; foi então que surgiu o primeiro turco desprovido de educação. Ele começou a gritar, nós não entendemos nada do que ele falou; como disse antes, não falo turco e nem sei qual é o som de um “Ğ” ou um “Ş”. Respondi também em português “eu não falo turco”. Sei que ele não entendeu, mas disse “no photo”. Respondi “ok!” – Belos cavalos que nada, os daqui sabem mesmo é dar coices.
Só para justificar, não costumamos desrespeitar nenhum local onde fotos são proibidas, mesmo que outros estejam fazendo, mas naquele monumento não tinha nenhuma placa dizendo “ei turista, é proibido tirar foto aqui”, se tinha estava escrito em turco.
A visita a monastérios, igrejas e sepulturas foi incrível, em especial pelo sol que fazia e ajudava a esquentar. Ficamos algumas horas passeando por ali. No caminho de volta para Göreme, encontramos dois vendedores de lembrancinhas. Percebi que um deles usava um börk[1] dos cavaleiros otomanos.
Nos devaneios desconexos que circulam meus pensamentos, imaginei aquele senhor um pouco mais jovem e montado em um daqueles belos animais que vimos no começo do passeio – não aquele que chegou gritando. Ele percebeu que eu estava admirando-o, então, para quebrar o clima, apontei para seu chapéu e disse que ele se parecia com Osman – fundador do Emirado Otomano, cujos descendentes transformaram em Império.
Aquele gentil senhor riu e agradeceu, talvez por ter se surpreendido com um gringo que conhecia um pouco de sua história e cultura. Pedi para fotografá-los, o que concordaram sem pestanejar. Ao fazer o retrato, os senhores ficaram ainda mais surpresos e até felizes quando viram que a Di tem uma tatuagem escrito Allah em árabe. Eles compreenderam que aquela tatuagem simbolizava toda admiração da Di sobre sua cultura e religião. Fotografei–os, compramos algumas lembrancinhas de balões e nos despedimos; eles se despediram pronunciando o clássico Salaam Aleikum, que significa “A paz de Deus esteja com você”, nós, devolvemos a saudação também com a resposta em árabe – mesmo que não sejamos muçulmanos – com Aleikum Essalam, que significa “Esteja ela (a paz de Deus) com você também”.
Não sei por que, e nem sei se o chapéu tinha algo a ver, mas fiquei muito impressionado com aqueles senhores. Toda raiva que eu tinha passado e a má impressão que tive durante o dia foram deixadas de lado após o encontro com aqueles senhores gentis que cruzamos no fim do dia.
Amanhã é dia de dar tchau para a Capadócia, levaremos na mala as lembranças que compramos dos senhores, porém, as melhores lembranças que levaremos para casa são aquelas que não têm preço e não ocupam espaço físico. No futuro, toda vez que lembrar deste lugar, me virá à mente a imagem do senhor “Osman”, um turco muçulmano usando o seu börk de couro otomano e montado – mesmo que embora não estivesse – em seu mais “belo cavalo”.
[1] O chapéu otomano "Börk" era uma parte do traje militar dos Janízaros, o corpo de elite do exército otomano. Esse chapéu característico era uma peça de cabeça alta, muitas vezes em formato cônico, decorado com plumas ou pompons, e era usado como distintivo de sua posição dentro do exército otomano.