Quem foi Hussein al-Houthi, fundador do Ansar Allah, mais conhecido como os Houthi´s do Iêmen?
- Clandestino
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Nas montanhas do norte do Iêmen, em uma região chamada Saada, nasceu em 1956 um homem que mudaria para sempre o destino de seu país – e cuja influência atualmente se faz sentir em um conflito regional que se alastra para o mundo inteiro. Hussein Badreddin al-Houthi começou como um estudioso religioso, tornou-se líder de uma rebelião armada e, após sua morte, transformou-se em símbolo de resistência. Sua história é a chave para entender o movimento Ansar Allah, mais conhecido no ocidente como Houthi, que hoje controla grande parte do Iêmen e desafia as maiores potências bélicas do mundo.
Hussein nasceu uma família religiosa muito influente na comunidade zaydi - um ramo particular do islamismo xiita que domina o norte do Iêmen há mais de mil anos. Os al-Houthis pertenciam à elite religiosa local, considerados descendentes diretos do profeta Muhammad, o que lhes dava grande prestígio. Por gerações, eles formavam juízes e líderes espirituais na região (1). Esta tradição familiar foi abalada em 1962, quando uma revolução apoiada pelo Egito derrubou o antigo reino religioso que governava o território ao norte do país. A família al-Houthi perdeu parte de seu poder, mas manteve sua influência entre a população local.
Na juventude, Hussein estudou no Iêmen e no Irã, onde entrou em contato com as ideias da Revolução Islâmica de 1979. Embora influenciado pelo pensamento de Ayatollah Khomeini, ele não adotou o mesmo modelo teocrático iraniano de forma acrítica. Em vez disso, buscava uma síntese entre a tradição zaydi iemenita e o ativismo político xiita contemporâneo (2). Essa abordagem singular ficaria evidente em seus discursos e escritos, nos quais ele defendia que os zaydis deveriam resistir não apenas à marginalização religiosa, mas também à interferência estrangeira no Iêmen — especialmente dos Estados Unidos e da Arábia Saudita.
De volta a Saada, Hussein al-Houthi começou a se destacar como um pregador carismático. Nos anos 1990, junto com seu irmão Mohammed, ele fundou a Shabab al-Mu’mineen (Juventude Crente), um movimento que, à primeira vista, parecia dedicado apenas ao renascimento cultural zaydi. Sob sua liderança, a organização estabeleceu clubes de estudo e acampamentos de verão onde jovens aprendiam também a história de resistência de sua comunidade (3). No entanto, o conteúdo dessas aulas — que incluía discursos de líderes do Hezbollah – como Hassan Nasrallah – e críticas ferrenhas à política americana no Oriente Médio, logo chamou a atenção das autoridades.
Ele criticava abertamente a influência dos Estados Unidos e da Arábia Saudita em seu país, e defendia que os zaydis deveriam retomar seu lugar de destaque na política iemenita. Seus discursos inflamados, atraíram milhares de seguidores - e a ira do governo (4). A radicalização ficou ainda mais evidente após a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em 2003. Em sermões públicos, ele passou a adotar palavras de ordem que se tornaria a marca registrada do movimento Houthi: "Allahu Akbar! Morte à América! Morte a Israel! Maldição sobre os judeus! Vitória ao Islã!" (4). Para o governo do presidente Ali Abdullah Saleh, isso era mais do que retórica inflamada — era uma declaração de guerra. As autoridades temiam que o movimento, que já mobilizava milhares nas ruas de Sanaa, pudesse se transformar em uma ameaça armada.

O conflito tornou-se inevitável no ano seguinte. O presidente Ali Abdullah Saleh ordenou a prisão de Hussein, que se recusou a se entregar e com alguns dos seguidores, fugiu para as montanhas de Saada, onde iniciou uma insurgência armada. O exército iemenita lançou uma série de operações, mas os guerrilheiros Houthis, aproveitando o terreno acidentado e o apoio local, resistiram com uma tenacidade que surpreendeu o governo. Em 10 de setembro de 2004, Hussein foi morto em um confronto com as forças governamentais. Sua morte, porém, longe de acabar com a rebelião, transformou-o em um mártir e galvanizou o movimento que ele fundou (5).
Mesmo após sua morte no mesmo ano, seu movimento continuou crescendo sob a liderança de seu irmão, até tomar a capital Sanaa em 2014 e desafiar uma coalizão internacional liderada pela Arábia Saudita (6).
Hoje, quando vemos o Ansar Allah atacando navios no Mar Vermelho ou lançando mísseis, estamos testemunhando o legado de Hussein - um homem que transformou o ressentimento de uma minoria religiosa em uma força capaz de abalar o equilíbrio de poder no Oriente Médio.
O legado de Hussein al-Houthi é complexo. Para seus seguidores, ele é um símbolo de resistência contra a opressão e a interferência estrangeira. Para seus críticos, no entanto, Hussein foi um radical cuja retórica sectária contribuiu para a fragmentação do Iêmen.
Referências
1. AL-RAISSI, N. The Houthi Movement in Yemen: From Local Revivalism to National Power. Londres: I.B. Tauris, 2015.
2. HAIDER, N. The Origins of the Shia: Identity, Ritual, and Sacred Space in Eighth-Century Kufa. Cambridge: Cambridge University Press, 2014.
3. BONNEFOY, L. Salafism in Yemen: Transnationalism and Religious Identity. Nova York: Columbia University Press, 2011.
4. JONES, T. Desert Kingdom: How Oil and Water Forged Modern Saudi Arabia. Cambridge: Harvard University Press, 2010.
5. WEIR, S. A Tribal Order: Politics and Law in the Mountains of Yemen. Austin: University of Texas Press, 2007.
6. SALAM, A. The Houthi-Saleh Alliance: A Marriage of Convenience. Sanaa: Yemeni Studies Center, 2016.