A Lei de Israel trata instituições de mídia (bens da sociedade) como organizações terroristas
A violação contra os canais de mídia, ao contrário de outras violações, envolve todos os poderes do Estado de Israel. Nesse contexto, soldados dispararam balas, pilotos lançaram mísseis e agentes de inteligência fecharam agências de notícias, tudo isso sob a autorização do Primeiro-ministro ou do Ministro da Defesa. Eles se baseiam na Emenda nº 5 da Lei de Manutenção da Segurança Pública, aprovada pelo Knesset em 2016, que ampliou os poderes dos agentes de segurança do Estado.
Apoiado pela Lei de Contraterrorismo e pela Lei de Manutenção da Segurança Pública, o Estado de Israel continuou sua política de agressão contra a imprensa em 2022. Soldados confiscaram equipamentos e veículos de agências, prenderam e agrediram jornalistas, e destruíram torres de transmissão. Além disso, persistiram em invadir e fechar agências de notícias, indo além ao declarar organizações de defesa dos Direitos Humanos, como a Defense for Children International Palestine (DCIP), Palestinian Centre for Human Rights (PCHR) e Addameer, como organizações terroristas. O objetivo de declarar agências de notícias ou outras organizações como terroristas é impedir a continuidade do trabalho e impossibilitar que recebam financiamento internacional.
A Lei de Financiamento e Transparência para ONGs, em vigor desde 2017, tem como objetivo marcar, assediar e incitar organizações de direitos humanos que expressam um ponto de vista crítico em relação às políticas do governo, especialmente aquelas que discriminam ou prejudicam os palestinos. [97]
A função dos canais de mídia na sociedade é manter a população informada, fomentar o debate público e exercer o papel de fiscalização e denúncia em relação aos detentores de poder, sejam eles estatais ou não, desempenhando a missão de disseminar a verdade e promover a diversidade de informações. Na prática, a maioria desses canais é composta por instituições de natureza privada e ainda alguma com concessões estatais, o que implica em influências e interesses específicos, sejam eles privados ou estatais. Essa realidade suscita questionamentos quanto à possibilidade de manter uma total imparcialidade na divulgação das informações.
Seria ingênuo acreditar que instituições tão poderosas, capazes de influenciar a opinião pública e até mesmo determinar os resultados de eleições, possam operar de maneira neutra. A mídia, como qualquer outra empresa, possui seus próprios interesses corporativos, sendo improvável que divulgue notícias que possam prejudicar seus investidores. Essa realidade, a imparcialidade se torna um desafio complexo.
Tratando da imparcialidade, devo dizer que não existem jornalistas verdadeiramente imparciais. Como seres humanos que fazem parte do contexto que estão cobrindo, cada jornalista traz consigo seus próprios valores e princípios morais, os quais naturalmente influenciam a maneira como codificam e emitem as mensagens. Mesmo que jornalistas imparciais fossem uma realidade, eles ainda dependeriam de veículos de comunicação que possuem suas próprias inclinações. Se a imparcialidade de um jornalista entrar em conflito com os interesses da instituição que o emprega, não há dúvida de que essa instituição optará por contratar um mensageiro que concorde em cruzar qualquer campo de batalha com uma sacola de mensagens sem fazer muitas perguntas.
Não estou afirmando que a imprensa ou os jornalistas sejam imorais, embora em muitos casos isso aconteça de forma descarada, o que estou destacando é que o conceito de imparcialidade, embora pareça ético, é, na verdade, um ideal inatingível. Sendo inacessível, o foco não deve ser avaliar a imparcialidade de um canal ou de um emissor, mas sim os princípios éticos e morais que orientam a prática jornalística.
A crítica em questão não se concentra na inclinação partidária por parte das mídias, seja vinculada às ideologias de esquerda ou direita. Pelo contrário, reconhece que essa diversidade é saudável e enriquece o debate democrático. O cerne da crítica volta-se para o fato de que os principais meios de comunicação estão nas mãos de detentores do poder, ou seja, agentes internos mais preocupados com indicadores financeiros do que com as necessidades das camadas populares e desfavorecidas, que são ocasionalmente usados de vez em quando de forma melancólica nos telejornais.
Outra perspectiva para ser considerada é que os canais de mídia, principalmente aqueles com conceções do governo, estão sujeitos a pressões externas, como interesses políticos, econômicos e corporativos. Ao mesmo tempo, mídias que atendem as demandas populares são geralmente independentes e com recursos limitados. Essa concentração cria um ambiente propício para a manipulação da informação e a imposição de uma agenda política e ideológica específica. Quando um reduzido grupo de entidades controla a maioria dos canais de mídia, ou, pelo menos, os de maior alcance, existe o risco de que a diversidade de opiniões e perspectivas seja suprimida.
Para as mídias que priorizam interesses financeiros em detrimento dos princípios éticos, o risco é ainda maior, pois seu foco se concentra unicamente na busca por interações, onde as pessoas são reduzidas a índices de audiência e os likes se convertem em cifrões. Quando o único objetivo é acumular capital, essas mídias entram em uma arena de competição onde não há limites, resultando em um cenário no qual a informação deixa de ser a prioridade. O que é verdadeiramente relevante para a sociedade acaba sendo subjugado pelo que pode ser descrito como uma “Indústria da Desinformação”, um termo derivado que ecoa de a “Indústria Cultural” teorizada há muito tempo pelos pensadores judeus Theodor Adorno e Max Horkheimer.
A busca por audiência e lucro frequentemente resulta em sensacionalismo de notícias que atendem aos interesses dos investidores. Programas com propagandas pagas em horários nobres enfatizam conteúdos superficiais, como fofocas de celebridades, novelas e reality shows que nada tem de real. Ao mesmo tempo, questões significativas para a sociedade, como jornalismo investigativo, cultural e de importância social, muitas vezes são tratadas com falta de profundidade e análise crítica, quando abordadas. Um exemplo claro disso é que quando uma criança é ferida em Israel, a matéria ganha destaque em horário nobre e é coberta de forma instantânea. O mesmo não acontece quando uma região como a Faixa de Gaza é bombardeada por 12 dias, todas as vezes que isso aconteceu ao longo das décadas, as notícias raramente recebem mais do que 30 segundos de cobertura no valioso horário nobre. E mesmo quando ocorre a cobertura, a Indústria da Desinformação frequentemente distorce o código e manipula a narrativa, apresentando os eventos de maneira tendenciosa e fora do seu contexto histórico.
A realidade capitalista da Industria da Desinformação, não pode nem deve ser tratada de maneira isolada ao contexto de Israel e Palestina. Tragamos esse conceito para a realidade brasileira. Pergunto a você: quantas vezes nesta semana você viu o Jornal Nacional cobrir o assassinato de um jovem negro em nossas periferias? Será que não há muitos jovens morrendo diariamente em nossas favelas? – recentemente na cidade do Guarujá, onde vivo, ocorreu mais uma chacina, deixando 29 corpos pela cidade. Quantos negros precisam ser assassinados para se transformar em notícia? Quantas balas precisam ser disparadas contra o carro de uma família afrodescendente para aparecer no jornal nacional?[1] Será que a vida negra vale menos que um comercial de shampoo? Essa falta de sensibilidade e importância não ocorreria se o jovem assassinado fosse branco e viesse de um bairro nobre. Da mesma forma, vemos o inverso acontecer quando a Indústria da Desinformação opta por omitir informações, uma prática comum que não carece de exemplos.
De interesse naquilo que é noticiado e gera lucro ou não, outra preocupação se refere à disseminação de desinformação e notícias falsas, algo amplificado pelas plataformas digitais. Com o advento das redes sociais e das plataformas digitais, qualquer pessoa pode se tornar um “canal” de mídia e divulgar informações sem a devida verificação, colocando em risco a credibilidade da imprensa legítima e dificultando a distinção entre fontes confiáveis e fontes não confiáveis de informação; como aquelas durante a pandemia que eram transmitidas por jornalistas de sofá de dentro do cercadinho do presidente Bolsonaro.
Frente aos atuais desafios que a comunicação vem enfrentando para sobreviver em um mar de desinformação, devemos reconhecer os canais de mídia legitimamente comprometidos com a denúncia de injustiças, abusos de poder e corrupção, bem como os jornalistas destemidos e independentes que persistem em investigar e relatar histórias frequentemente ignoradas ou silenciadas pelos detentores do poder corporativo e estatal.
Para fortalecer a liberdade de imprensa, é imperativo oferecer maior apoio e proteção aos jornalistas e às organizações de mídia independentes, promover a diversidade na propriedade dos meios de comunicação, estimular a transparência e a responsabilidade editorial e incentivar o desenvolvimento de habilidades críticas de consumo de mídia entre o público. A liberdade de imprensa, indubitavelmente um pilar da democracia, encontra outro apoio nos canais de mídia e jornalistas que desempenham ativamente papeis de contrapeso ao poder governamental e atuam como defensores da sociedade.
A integridade da liberdade de imprensa não pode ser comprometida em prol de lucros, interesses partidários ou pressões externas. Os canais de mídia devem adotar a transparência em relação às suas fontes de financiamento, assegurando sua independência editorial. Além disso, a implementação de mecanismos de autorregulação e a adesão a padrões éticos jornalísticos são fundamentais para evitar a propagação de desinformação, bem como para garantir a precisão das informações veiculadas.
Precisamos nos atentar que apesar de certa nocividade, os avanços tecnológicos também proporcionam oportunidades para fortalecer a liberdade de imprensa. As plataformas digitais podem ser empregadas como ferramentas para ampliar o acesso à informação, promover o debate público e dar vozes aos grupos marginalizados. Para que isso aconteça, devem ser implementadas medidas eficazes para combater a propagação de desinformação e assegurar a integridade do ambiente informacional.
Em última análise, a liberdade de imprensa é um direito fundamental que merece proteção e valorização. Os canais de mídia carregam a responsabilidade de exercer sua função de maneira responsável, ética e voltada para o interesse público. Simultaneamente, os cidadãos têm a obrigação de serem consumidores críticos de mídia, procurando fontes confiáveis e verificando informações antes de formar opiniões, ademais, a história pode conter vários observadores que a narram de maneiras diferentes de acordo com suas opiniões, mas a verdade é uma só e incontestável.
“Nós os apoiamos nesta justa luta, mesmo que a mídia internacional esteja relatando esses eventos de forma errada, ignorando o certo. Mas, a verdade prevalecerá, mas devemos continuar a declará-la” ... “Rejeitamos firmemente a pressão para não construir em Jerusalém. Para meu pesar, esta pressão tem aumentado ultimamente”. Benjamin Netanyahu, 11 de maio de 2021, horas depois, um avião foi enviado para bombardear um prédio residencial. [98]
[1] Em 7 de abril de 2019, o músico Evaldo dos Santos Rosa foi morto por mais de 80 tiros disparados por militares do Exército no Rio de Janeiro. O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, Helder Salomão, solicitou ao governo estadual os fundamentos jurídicos da ação, apurações sobre o crime e as sanções legais para os responsáveis. [204]