top of page
Foto do escritorSiqka

O sonho de Osman e o início do poderoso império otomano

Quando jovem, Osman Ghazi sonhou com uma árvore tão grande que suas raízes se estendiam por três continentes para beber da água de quatro rios diferentes. A majestosa árvore era tão vasta que seus ramos faziam sombra em quatro cadeias de montanhas orientais.

 



Ontem, a chegada em Izmir foi literalmente um sonho. Assim como Osman, eu sonhava com uma grande árvore, mas minha árvore era minha avó. Sonhei até que o Lucas me acordou e disse “chegamos”. Acordar em uma cidade como Izmir, descer ainda zonza e ser recebida como fomos, não tem como não se apaixonar.

 

Assim que entramos no hotel fomos abraçados pela cordialidade e hospitalidade do povo turco. Os senhores na recepção do hotel Konak Saray, literalmente nos receberam de braços abertos. Mesmo chegando horas antes do check-in eles nos entregaram as chaves do quarto e nos convidaram a tomar um café. Depois de passar uma noite desconfortável em um ônibus da Capadócia a Izmir (catorze horas de viagem), tomamos um maravilhoso café da manhã, com muitos tipos de queijos e azeitonas, oferecido por nossos anfitriões do Konak.

 

Izmir chegou tomando toda licença poética. Hoje, ao acordarmos, conferi que a previsão do tempo era para um dia chuvoso. Decidimos ficar por perto do hotel e passear pela região. No primeiro passeio Izmir conquistou nossos corações; ruas limpas movimentadas e uma atmosfera gostosa.

 

Nosso primeiro passeio foi pela Ágora da cidade, a poucos metros do hotel. As ágoras eram grandes áreas públicas nas antigas cidades gregas onde se concentrava a arte e aconteciam todos os tipos de eventos sociais, políticos, religiosos e comerciais. As construções que abarcavam todos os prédios públicos se tornaram precursoras dos fóruns romanos.

 

A Ágora de Izmir é uma das mais antigas e bem preservadas do mundo, devido ao excelente trabalho arqueológico realizado em parceria com a Diretoria do Museu de Izmir e a Sociedade Histórica, iniciado em 1933. Construída por Alexandre, o Grande, no século IV a.C., e posteriormente reconstruída pelo imperador romano Marco Aurélio, após um terremoto. No período otomano a Ágora de Izmir foi usada como cemitério e sala de orações. Durante as primeiras escavações, foi descoberto que a forma retangular com longas colunas que arqueiam os corredores paralelos e as galerias pluviais, guardavam um altar de veneração a Zeus. Diversas outras estátuas em referência a Hermes, Dionísio, Eros, Hércules, a Vesta, além de muitas outras referências masculinas, femininas, de animais, relevos, estatuetas, artefatos de mármore, osso, vidro, metal e terracota foram encontradas no local e transferidas para o museu de arqueologia de Izmir.

 

Um passeio feito por turistas normais não levaria mais de trinta minutos, mas não tínhamos pressa e o local estava vazio, portanto, nos perdemos nas horas. A parte aberta à visitação é impressionante, com peças e galerias bem cuidadas e restauradas. No entanto, o mais fantástico é saber que as escavações não pararam e que ainda tem muito a ser descoberto, já que no local existem algumas áreas restritas, nas quais só podemos observar sem fotografar.

 

Não que soubéssemos de tudo isso antes de viajar; na verdade nem sabíamos da existência dessa joia de Izmir, por sorte nos hospedamos na rua de acesso ao sítio arqueológico. Antes de todas as viagens costumamos abaixar os níveis de ansiedade estudando a cultura local, mas as coisas geralmente são bem diferentes quando chegamos. Quando escolhemos a Turquia como destino sabíamos que encontraríamos muitas heranças de tempos e impérios diferentes; gregos, romanos, bizantinos, turcos; só não imaginávamos que estariam tão bem preservados e tão perto de nós.

 

Nosso dia não estava nem na metade, então resolvemos nos afastar um pouco. Descendo pelo mercado da cidade velha, por entre roupas, verduras, legumes e frutas gigantes, demos de cara com um carrinho do qual exalava um cheiro adocicado. Olhei para o Lucas, mas ele nem se ligou o que era. Entrei na fila e fui explicando algo que eu já tinha visto em vídeos de outros mochileiros na Turquia. Aqui, quando um membro da família morre, os familiares costumam oferecer alguns bolinhos – parecidos com nossos famosos bolinhos de chuva – em homenagem ao falecido. Não sei dizer se apenas esses bolinhos são oferecidos, mas os carrinhos ficam nas ruas exibindo as fotos do ente querido que partiu enquanto filas de estranhos se formam para comer os bolinhos.

 

Chegando à praça do relógio, cruzamos algumas vezes com esses carrinhos. Lucas não conseguiu entrar na fila – achei melhor não perguntar –, mas eu entrei e ele acompanhou do lado e depois até comeu alguns. Entendo que cada cultura tem uma maneira diferente de lidar com o luto, no entanto, a maneira turca foi a mais bela que já vi – e vimos muitas maneiras diferentes por aí.

 

Os bolinhos são muito simbólicos. Algumas pessoas – como eu – entram na fila como uma experiência de compartilhar do costume local e isso acaba se tornando um momento para pensar em alguém que faleceu, mesmo sem o conhecermos. Por outro lado, como existem muitas pessoas em situação de refúgio no bairro de Konak, aqueles bolinhos são uma refeição grátis. Eu achei a maneira turca, a mais extraordinária que se pode fazer em memória de alguém querido que partiu: alimentando desconhecidos!

 

Depois de passear pela Ágora e comer os bolinhos na praça do relógio andamos novamente por todas as vielas do mercado local de Konak, onde cada mercadoria simboliza um pedacinho da cultura otomana e do sonho de Osman e sua gigantesca árvore. Hoje não existe mais um Império Otomano, grande parte do seu território foi repartido entre potências europeias – por exemplo, a Palestina, Síria, Líbano e outros. No entanto, desde o nascer até o pôr do sol, tudo, hábitos, cultura, religião, decoração, culinária e arquitetura derivam da imponente árvore que Osman sonhou quando jovem, incluindo a gentileza e simpatia dos recepcionistas do hotel Konak. A árvore de Osman pode até ter sido derrubada e dividida entre colonizadores; suas raízes, porém, continuam vivas no coração desse país maravilhoso chamado Turquia.

 

Creative Commons (1).webp

ÚLTIMAS POSTAGENS

bottom of page