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Foto do escritorSiqka

Kaymakly, cidades acima e abaixo de nós na Capadócia

Acordamos bem cedo, olhamos pelas janelas do quarto, abrimos a porta, olhamos para o céu e, nada! Não vimos os balões. Já faz alguns dias que estamos aqui e não vimos o espetáculo que atrai milhares de turistas todos os anos. Fomos tomar café com esperança de ainda ser cedo demais. Diferente dos dias anteriores, hoje o céu estava limpo e não ventava, tudo estava propício para o famoso voo dos balões; mas, nada! Enquanto subíamos a ladeira para o restaurante do Henna Hotel, vasculhávamos o céu em busca de um único “balãozinho”; estava acabando nosso tempo na Capadócia e precisávamos ver os balões. Um dos funcionários do hotel percebeu que estávamos eufóricos; ele sabia o que queríamos. Apontando para o terraço, ele pronunciou a palavra que estávamos esperando desde que chegamos: balloons!

 


Subimos correndo. Por todos os lados lá estavam eles, balões enormes colorindo o céu da Capadócia. Os balões surgem por todos os lugares, subindo lentamente com os primeiros raios de sol. Eles aparecem de trás das montanhas do Sunset Point, das chaminés de fadas, no horizonte, por todos os lugares, até sobre nossas cabeças havia alguns.

 

Os balões foram os primeiros veículos aéreos da humanidade. O primeiro relato histórico de um balão de ar quente surge na China, durante a Era dos Três Reinos (220 – 280 d.C.). No entanto, eram menores, não tripulados e tinham por intuito emitir sinais militares. Existem também especulações de que balões tenham sido usados pelos povos pré-incas no Peru, como auxílio para formação das famosas linhas do deserto de Nazca. Balões tripulados, como os que hoje decoraram a manhã em Göreme, foram confeccionados pela primeira vez pelos irmãos franceses Montgolfier, em 1783. No entanto, os primeiros tripulantes vivos a voar de balão foram um carneiro, um pato e um galo.

 

Os balões se popularizaram em Göreme na década de 1990, ajudando a mudar o cenário da economia local. A cidade que hoje é a capital turística da região da Capadócia era um vilarejo agrícola e desconhecido até poucas décadas, mesmo possuindo tantas relíquias naturais, culturais e históricas para se ver. Os baloeiros ajudaram a transformar a paisagem e atrair cada vez mais turistas mudando o padrão de vida dos aldeões, que na grande maioria passaram a morar em cidades vizinhas maiores e transformaram suas antigas casas esculpidas nas cavernas em hotéis e outros comércios voltados para o turismo.

 

Ficamos quase uma hora observando o espetáculo colorido, ali mesmo do terraço do Henna Hotel. Não tem muito do que possamos falar sobre os balões da Capadócia, nada de moral, nada de quebra de mitos, nada de nada; só posso dizer que é um espetáculo imperdível, principalmente para aqueles que, diferente de mim, não têm pavor de altura. Mesmo com os pés fincados como âncoras no chão, o espetáculo foi único, uma cena que nem Júlio Verne seria capaz de descrever com precisão.

 

“Não consigo tirar os olhos do céu ao meu redor. As palavras estão presas e tudo está confuso. Só um desajustado preso à Terra, eu.” Learning To Fly, Pink Floyd.

 

Após o show dos balões em Göreme, pegamos um ônibus até Nevşehir e de lá para a cidade subterrânea de Kaymakli. Conforme o Ministério de Cultura e Turismo da Turquia, Kaymakli foi construída durante o período de expansão do cristianismo, entre os séculos IX e X. No entanto, a arqueologia alega que as primeiras escavações dessas cavernas foram feitas por povos indo-europeus nos séculos VIII a VII a.C.

 

Na região da Capadócia existem 36 cidades subterrâneas, sendo Kaymakli a maior. Começamos a descer e parecia não ter fim. São 8 andares; por sorte, só quatro estavam abertos para o público. Nos perdemos naqueles labirintos, imaginando um mundo desconhecido. Chegamos cedo para evitar aglomerações, mas logo começou a “chover” turistas, aqueles típicos com seus chapéus e câmeras a tiracolo, e seus guias animados contando a história daquele lugar. Eu e Lucas não somos nada típicos, enquanto eles passavam rápido pelas galerias, nós nos sentávamos, deitávamos e rolávamos naquele espaço cheio de mistérios.

 

A cidade subterrânea é realmente grande, isso considerando que mais da metade estava fechada. A estimativa é que em seu auge a cidade abrigava mais de 3.500 pessoas, por isso aquele grande contingente de turistas nem chegou a incomodar.

 

Saindo da cidade subterrânea de Kaymakli, o que mais precisávamos era esticar um pouco as pernas. Resolvemos fazer algo que é um costume frequente em nossas viagens: caminhar e conversar. Ao invés de pegar o ônibus de volta para Nevşehir, resolvemos seguir andando pela estrada. Caminhamos cerca de nove quilômetros pelo acostamento sem nos preocupar com o tempo. Nosso assunto principal foi as relações internacionais que nosso país perdeu com a Turquia e com o resto do mundo, principalmente com os últimos quatro anos do falecido governo Bolsonaro. Vou tentar explicar, não como analista, mas como alguém que conhece um pouquinho do mundo.

 

O Brasil sempre foi um país pacifista e com boas relações com o Oriente Médio. Em 2002 o presidente Luiz Inácio Lula da Silva rejeitou a proposta do estadunidense George W. Bush para participar de mais uma invasão ao Iraque; um episódio que lembra mais uma revanche americana pela Guerra do Golfo.

 

“Em 2002, fui visitar o Bush e ele veio com uma preleção de 40 minutos me mostrando o quão importante era acabar com o terrorismo. Isso fazendo um apelo para que o Brasil participasse do que ele chamou de luta extraordinária para acabar com o terrorismo, invadindo o Iraque. Eu simplesmente disse para ele: eu não conheço Saddam Hussein. […] Eu tive outra guerra: a fome. No meu país, a fome atingia 54 milhões de pessoas. E essa guerra eu ia fazer e ia ganhar.” Presidente Lula, 2022.

 

Lula, apesar de negar participar de uma guerra contra o Iraque, não perdeu as relações que tinha com os Estados Unidos, não foi cúmplice do assassinato de milhares de inocentes e de mais uma invasão do Ocidente ao Oriente. Essa atitude estreitou ainda mais os laços comerciais do Brasil com países orientais. – Por que tivemos essa conversa e principalmente por que decidimos reproduzi-la aqui? – Porque a política externa do governo brasileiro, nos últimos anos, no lado oposto ao pacifismo que todos nós seres humanos, principalmente todos os que vivem no Oriente Médio, precisamos de paz. O Governo Bolsonaro se aproximou muito de Donald Trump (presidente americano) e Benjamin Netanyahu (Primeiro-ministro israelense), e não foi o único. Os últimos governadores João Dória (São Paulo) e Wilson Witzel (Rio de Janeiro) fizeram o mesmo. Levando a Câmara dos Deputados a aprovar o Decreto Legislativo 228/2021, versão continuada da MSC 371/2019, que autoriza o convênio militar e policial entre Brasil e Israel.

 

Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, comemorou em sua rede social com a frase “vitória de Israel”. Obviamente este acordo nunca visou nenhum tipo de favorecimento ao Brasil; se fosse, acho que a postagem seria “vitória do Brasil”. Ainda pior, esse decreto que só favorece a indústria armamentista israelense deixou o Brasil em uma situação de rejeição com os países do bloco oriental. Piorando ainda mais, o decreto ajudou a financiar a entidade sionista no plano de limpeza étnica contra o povo palestino.

 

Sei que não faz muito sentido, um diário de viagem falar tanto sobre a política brasileira, ainda mais nos primeiros dias, mas é importante sim, já que a política brasileira reflete no curso que o mundo toma e vice-versa.

 

Caminhando por uma estrada na região da Capadócia chegamos à conclusão de que precisamos novamente retornar nossos vínculos de amizade com esse bloco tão injustiçado. Hoje, quando vi os balões em Göreme, senti uma sensação de paz, apesar de todas as injustiças que nosso planeta enfrenta. Sinto que chegou o momento de o Brasil voltar ao que foi nos governos anteriores e valorizar mais as pessoas que sobem balões do que apoiar aqueles que despejam suas bombas.


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