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Foto do escritorSiqka

Do Brasil à Turquia com nossas próprias bombas

Às 15h40, horário exato, estávamos trancados em um avião atrasado. Diana Emidio, ou Di, minha companheira de aventuras, camarada de todas as lutas e, ainda por cima, esposa; postou uma foto de nosso embarque. O primeiro comentário na postagem foi: “Vão para posse?” – Não estávamos indo para Brasília, para ser sincero, gostaríamos, mas não! Talvez a pessoa que comentou deve ter cogitado isso por eu estar com um boné do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); ou pode ser que essa pessoa nos conheça bem. Mas, não! Estávamos esperando para ir à procura da Terra Santa.

 

Confesso que embarcar para o Oriente Médio sempre me deixa impaciente. Principalmente em relação à instabilidade política. Tudo que me transmite tensão nessa viagem decorre do chamado “terrorismo”; aquele mesmo propagado pela imprensa e difundido por outras fontes menores. Claro que temos medo de bombas, ataques terroristas, e isso acontece muito por aqui, causando muitas fatalidades e desastres humanitários.

 

Respondido sobre do que temos medo, é sensato falar também sobre: de quem temos medo. Não temos medo de muçulmanos, árabes, turcos, curdos, drusos, persas ou qualquer etnia dessa região. – Se você é brasileiro, calma! Antes que este livro acabe, você saberá a diferença entre todas essas etnias. Quem nos causa medo somos nós mesmos! Sendo um pouco mais específico, ocidentais; ainda mais específico, estou me referindo às potências imperialistas e neocoloniais; as quais financiam seus próprios luxos com exploração, sangue, dor e vida dos povos dessa terra. – Certamente trata–se de outro ponto que teremos de abordar mais de uma vez no decorrer dos dias que estão por vir.

 

O tempo que passamos no aeroporto, fiquei observando as pessoas indo e vindo e não consegui me concentrar em muita coisa. Lembrei–me praticamente de todas as manchetes dos últimos meses em relação ao Oriente Médio. Quanto à Israel e Palestina, há muito tempo venho me preparando, então já estou um tanto “acostumado” com as notícias da “guerra”. Entretanto, um ataque terrorista na Turquia foi uma surpresa para mim. Em novembro de 2022 uma bomba matou seis pessoas e deixou outras 81 feridas. O atentado aconteceu na Istiklal, em uma das regiões mais movimentadas de Istambul. No dia seguinte à tragédia uma mulher síria foi presa, suspeita de ter implantado a bomba. O presidente Recep Tayyip Erdoğan – falaremos muito sobre ele – acusou o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) de orquestrar o atentado. O PKK, movimento nacional curdo, negou qualquer envolvimento com o atentado contra civis. Rejeitando o comunicado do partido, Erdoğan autorizou uma enxurrada de bombas no norte da Síria, local com grande concentração de curdos. Tragicamente a Síria é tão bombardeada e há tanto tempo, sobretudo por Israel, que ninguém se importou. Pelo andamento deste relato explicarei sobre os curdos e o PKK também mais adiante. Como previsível, as notícias do atentado circularam em todos os canais, já o bombardeio na Síria, quando muito se tornaram notas de rodapé. Detalhe, nos hospedaremos a poucos metros de onde ocorreu o atentado.

 

Nos últimos meses vários fatores externos contribuíram para instabilidade nessa região, a começar pela guerra na Ucrânia. Geograficamente falando, a Turquia faz fronteira com Síria, Iraque, Irã e, separada pelo Mar Negro, com a Ucrânia. O país também integra a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), dado que Istambul repousa dividida entre Ásia e Europa, a guerra também afetou o cotidiano dos turcos.

 

Quem sabe o leitor se pergunte o que viemos fazer no meio de toda essa “treta” de bombas, ataques terroristas, opressão contra mulheres, LGBTfobia, etc. Sim, tudo isso existe, mas não só no Oriente Médio. Paremos um minuto para refletir: o Brasil é o país com os maiores índices de feminicídio do mundo; recentemente, vimos as notícias de um médico que estuprou uma mulher durante o parto[1], e não para por aí; o mesmo vale para a violência contra os LGBT´s, sem falar que massacres e genocídios acontecem todos os dias com pretos e pobres em nossas periferias ou os povos indígenas sendo assassinados, quando não por garimpeiros, por negligência do próprio governo.

 

Ou seja, nossos índices de violência são ainda mais alarmantes do que países em guerra, o que não quer dizer que estejamos minimizando os problemas alheios, este é só um comparativo para mostrar o tamanho do nosso preconceito ao falar da cultura alheia sem antes “olhar para o próprio rabo”. Vale destacar que com a ascensão do bolsonarismo e a radicalização de seus apoiadores diante do retorno de Lula, até mesmo tentativas de assassinato e atentados a bomba no aeroporto Presidente Juscelino Kubitschek se tornaram comuns[2]. Sendo assim, estamos indo à procura da Terra Santa e, quem sabe, trazer de volta nossas próprias bombas!






 

[1] O ex-médico anestesista Giovanni Quintella Bezerra, preso em 2022 por estuprar uma mulher grávida durante o parto em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, consta na lista de aprovados. Seu nome foi incluído, mesmo após ser filmado durante o estupro a uma paciente durante o parto dela.

[2] O TJDFT condenou em 2ª instância os dois acusados de armar uma bomba no Aeroporto de Brasília em 24 de dezembro de 2022. George Washington de Oliveira Sousa e Alan Diego dos Santos Rodrigues, receberam sentença para cumprir em regime fechado, e as armas de George Washington serão entregues à União. A dupla, que participava de manifestações pró-Bolsonaro, foi considerada culpada por planejar o atentado.

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