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As ondas de calor e nossa saúde: de quem é a culpa?

As ondas de calor têm se tornado um fenômeno cada vez mais frequente e intenso em todo o mundo, especialmente no contexto do que alguns estudiosos chamam de "Capitaloceno" — uma era geológica marcada pelo impacto do sistema capitalista no meio ambiente. Os dados são alarmantes sobre como as mudanças climáticas, impulsionadas pelo modelo econômico vigente, estão afetando não apenas o planeta, mas também a saúde humana, a economia e a sociedade como um todo.

Em 2024, foram registradas nove ondas de calor no Brasil, caracterizadas por períodos prolongados de temperaturas anormalmente altas, muitas vezes 5ºC acima da média, acompanhadas por altos índices de umidade. Em 2025, até o início de março, já haviam sido registradas cinco ondas de calor. Vale lembrar também que em todos os meses de 2024 batemos recordes de temperaturas.

Esses eventos extremos têm causado uma série de catástrofes ambientais, como enchentes no Rio Grande do Sul, incêndios florestais na Amazônia, Cerrado e Pantanal, secas de rios e o aquecimento dos oceanos, que levam ao branqueamento de corais, por exemplo. Além disso, a agricultura tem sido severamente prejudicada, resultando no aumento dos preços dos alimentos e em desabastecimentos, sendo este último fator desencadeado pelo mercado financeiro/rentista especulativo que, promovendo a desvalorização da moeda nacional, favorecendo às exportações.

E se formos extrapolar isso para o âmbito mundial, poderíamos falar do degelo de regiões polares, o derretimento do permafrost (e os potenciais riscos de liberação de novos agentes patogênicos), elevação do nível dos oceanos que extinguiria ilhas e regiões litorâneas e geraria uma nova onde migrações climáticas.

Os fatos estão aí, e a ciência quantificou tudo isso, indicando que o aquecimento global já atingiu 1,6ºC acima dos níveis pré-industriais, um valor que, segundo o Acordo de Paris (2015), só era esperado para 2050. Regiões como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul já registram aumentos de 2,2ºC, enquanto o Sudeste brasileiro apresentou um aumento de 1,72ºC. O Cerrado, Centro-Oeste e Nordeste também não ficam de fora, com aumentos de 1,61ºC.

As ondas de calor não são apenas um problema ambiental; elas têm efeitos diretos e graves na saúde humana. Como seres endotérmicos, dependemos de mecanismos como a radiação, convecção e evaporação para dissipar o calor corporal, o que mantém nossa temperatura corporal por volta de 37ºC. No entanto, em condições de alta umidade, a eficiência desses mecanismos diminui, tornando mais difícil a regulação da temperatura corporal. Isso pode levar a desidratação, fadiga muscular e, em casos extremos, à desnaturação de proteínas, que são essenciais para funções vitais como a estrutura celular, a produção de anticorpos e o metabolismo.

Trabalhadores que atuam em ambientes externos, como ambulantes, operários da construção civil e coletores de lixo, estão particularmente ainda mais vulneráveis. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 4.200 trabalhadores morreram em todo o mundo devido a ondas de calor em 2022. Além disso, usuários de transporte público e estudantes em escolas despreparadas para lidar com o calor também sofrem com baixo rendimento e problemas de saúde.

Os impactos das ondas de calor não são distribuídos de forma igualitária. As populações mais pobres, muitas vezes marginalizadas e expostas a condições precárias de moradia e trabalho, são as mais afetadas. Esse fenômeno, conhecido como "racismo ambiental", evidencia como as mudanças climáticas exacerbam as desigualdades sociais já existentes. Enquanto alguns podem se refugiar em ambientes climatizados, outros são obrigados a enfrentar o calor extremo sem qualquer proteção (ou opção).

A principal causa das mudanças climáticas que potencializam o fenômeno meteorológico das ondas de calor, é a emissão de gases do efeito estufa, especialmente o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4). O desmatamento e os incêndios florestais, promovidos de forma criminosa para a ampliação dos latifúndios do agronegócio, assim como a queima de combustíveis fósseis para a geração de energia, são os principais responsáveis por essas emissões.

Outro ponto que merece destaque nesse quesito é a constante fala da promoção da transição energética, o que, em teoria, visaria a substituição das fontes poluidoras/emissoras de gases estufa por fontes alternativas e renováveis. No entanto, o que escondem é que o sistema capitalista tende a enxergar essa transição como um acréscimo na geração de energia, e não como uma substituição das fontes poluentes. O consumo de energia continua a crescer, e as emissões de gases do efeito estufa não diminuem. Ou seja, a geração cada vez maior de produtos, o incentivo ao consumismo desenfreado, seguirão ditando os padrões dessa sociedade.

No Brasil, de acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), a agropecuária é a principal fonte de emissões de CO2, responsável por 46% do total. O transporte, os resíduos e a indústria também contribuem significativamente, mas de maneira bem menor, com 16%, 13% e 11% das emissões respectivamente. Estados como Pará, Mato Grosso e Maranhão lideram as emissões desses gases relacionados às atividades agropecuárias, enquanto São Paulo é o maior emissor no setor de energia.

Potencializado ainda mais os danos ambientais que o agronegócio latifundiário causa, não podemos esquecer que é o setor que consome 70% da água disponível, contribuindo para a seca de rios e aquíferos. E ilustrando o agravante disso, podemos citar os recentes dados divulgados pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) em relação ao que acontece com a cidade do Rio de Janeiro, que teve o mês de fevereiro mais seco dos últimos 30 anos, com média pluviométrica de apenas 0,6mm (enquanto a média para o referido mês é de 123mm). A temperatura média para fevereiro era de 35 ºC, mas atingiu 38 ºC. Dias mais quentes, maior consumo de água. Mas que água?

O capitalismo depende do crescimento econômico contínuo para se manter, mas esse crescimento muitas vezes ocorre à custa da exploração excessiva dos recursos naturais e da degradação ambiental, prejudicando os próprios exploradores e escancarando a contradição apontada há tempos por Marx.

A crise climática, antes de se tornar um colapso irreversível, pode ser evitada por meio de uma transformação sistêmica. Uma das alternativas é a transição para a agroecologia, que além de produzir alimentos saudáveis, preserva o meio ambiente, gera empregos e garante a soberania nacional.

No entanto, essa transformação enfrenta resistências, especialmente por parte da bancada ruralista e de setores que lucram com a exploração predatória dos recursos naturais. O Brasil, com seu potencial para liderar essa mudança, precisa enfrentar essas barreiras e buscar um modelo de desenvolvimento que priorize a sustentabilidade e a justiça social.

No entanto, é preciso lembrar o que aconteceu quando projetos políticos propuseram essa transformação através da Reforma Agrária e industrialização do país: em 1964, João Goulart sofreu golpe militar; em 2016 a presidenta Dilma apresentou o PRONARA (Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos), visando o fortalecimento e transição para a agroecologia, sendo vítima de um golpe parlamentar descarado e o programa foi tirado de pauta pelo traidor Michel Temer, e seguido pelo desgoverno Bolsonaro – isso sem falarmos da Farsa-Jato, responsável pela quebra da cadeia produtiva e industrial do país. Em 2023, o governo Lula tenta reviver o PRONARA, mas o lobby e a pressão da bancada ruralista, amparada e financiada pelas corporações, seguem barrando.

Assim, da próxima vez que você reclamar do calor, da falta de água, das catástrofes climáticas e até mesmo do preço dos alimentos lembre-se de que, no Brasil, esse fenômeno tem nome e sobrenome: agronegócio latifundiário.


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