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Foto do escritorSiqka

O assassinato da jornalista palestina Shireen Abu Akleh

Jenin, Cisjordânia, 2022

Entre 2021 e maio de 2023, mais três jornalistas palestinos foram vítimas de assassinato sumários israelenses. Na manhã de 11 de maio de 2022, as forças de ocupação acuaram quatro jornalistas devidamente identificados. As imagens chocan­tes do cerco, mostram os soldados abrindo fogo contra jornalistas com munição real. No que chamou de Operação “Guardiã dos Muros”, no Campo de Refugiados de Jenin, ao norte da Cisjordânia ocupada, Shatha Hanaysha foi atingida nas costas, enquanto a jornalista palestino-americana Shireen Abu Akleh foi baleada diretamente na cabeça. Seus colegas não pude­ram prestar socorro devido à intensidade dos disparos que ficaram registradas na memória e vídeos dos jornalistas presentes.

“Meus colegas e eu não estávamos longe dos soldados. Estávamos equipados com nossos capacetes e coletes de proteção. Eles abriram fogo e eu disse a todos que éramos os alvos. Eu virei para checar meus colegas e vi Shireen no chão e Shatha com um ferimento de bala. Tentei me proteger detrás de um muro e eles continuaram a disparar contra nós. Tentei ajudar Shireen, mas não consegui. Shatha também não conseguiu alcançá-la, apesar de estarem a centímetros de distância. A ocupação alvejou Shireen mesmo com seu capacete. Ela foi atingida abaixo da orelha. A ocupação queria nos matar, ao atingir de longe. Shireen caiu enquanto vestia um colete de imprensa e quem quer que tentasse ajudá-la seria alvejado. Foi um claro ataque a Shireen e todos nós profissionais de mídia”. Mujahed Al-Saad, jornalista testemunha, 2022. [41]

 

 

Shireen Abu Akleh, correspondente da Al Jazeera, nasceu em Jerusalém em 1971, em uma família cristã. Ela iniciou sua carreira na Al Jazeera em 1997, apenas um ano após a fundação do canal. Ao longo dos anos, cobriu com coragem e dedicação os conflitos em Gaza nos anos de 2008, 2009, 2012, 2014 e 2021, além da guerra de 2006 no Líbano. Com seu comprometimento, Shireen se tornou a jornalista mais proeminente e respeitada da Palestina. [42]

Durante a quinquagésima sessão do Conselho de Direitos Hu­manos das Nações Unidas, realizada de 13 de junho a 8 de julho de 2022, foi divulgado um relatório de suma importância para responsabilizar os assassinos da jornalista. Esse relatório deixa claro que “o assassinato de Shireen Abu Akleh pelas forças israelenses constitui de forma inequívoca uma violação do direito internacional e um crime de guerra”, adicionalmente destacando que “violar esta norma representa uma séria infração das Convenções de Genebra e do Protocolo Adicional I”. [42]

O ataque contra Shireen continuou mesmo após sua morte. Dois dias após o assassinato, o corpo da jornalista foi transferido do hospital St. Joseph para o local do seu funeral. Milhares de pessoas acompanharam o cortejo em um percurso que durou 45 minutos. O governo israelense reagiu fechando estradas e check­points, inten­sificando a presença policial e mobilizando um grande contingente de soldados como “medida de precaução”. Durante o velório, os militares israelenses não pouparam ações agressivas. Atacaram o carro fúnebre, quebrando suas janelas, e partiram para a violência contra os palestinos que carregavam o caixão. Cada vez que um palestino era derrubado ou agredido com cassetetes, socos e pontapés, outro palestino prontamente ocupava seu lugar; todos, determinados a evitar que a jornalista morta fosse violentada e hu­milhada mais uma vez pela ocupação. O caixão, contendo o corpo da jornalista, quase caiu, no entanto, a resistência do povo palestino prevaleceu.

No decorrer da cena de selvageria, os soldados israelenses ignoraram a presença de centenas de fotógrafos, cine­grafistas e corresponden­tes de todo o mundo que registravam a violência. As imagens impactantes das forças israelenses ata­cando os enlutados provocaram reações e protestos internacionais.  A agressão resul­tou em 33 pessoas feridas, inclu­indo quatro que necessitaram de hospitalização. Os militares visaram diretamente aqueles que car­regavam o caixão. O Secretário-geral da ONU, António Guterres, declarou estar “pro­fundamente perturbado” com a violência. [42]

Shireen foi assassinada apenas alguns dias depois que a Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), o PJS e o Centro Internacional de Justiça para Palestinos (ICJP) apresentaram uma queixa formal em Haia contra Israel por “ataques sistemáticos a jornalistas palestinos”.

O crime cometido contra Shireen teve uma repercussão in­terna­cional sem precedentes. Ao completar um ano do assassinato, especialistas da ONU emitiram um alerta, afirmando que a busca por justiça pela morte da jornalista foi negada. “As autoridades israelenses não podem mais fugir de suas responsabilidades” [43], declarou o Secretário-geral da organização Repórteres Sem Fronteira (RSF), Christophe Deloire.

 

“É seu dever liderar e concluir uma investigação digna desse nome para trazer justiça a Shireen Abu Akleh. Chega de má vontade!  Chega de desdém pela verdade quando jornalistas são mortos! Eles não podem mais se abrigar decentemente por trás de sua primeira investigação rápida quando sua responsabilidade está em jogo.” Christophe Deloire (RSF), 2023. [43]

 

O direito à vida e à segurança é inerente a todo ser humano e deve ser respeitado de forma absoluta. Até o momento, destaquei os casos de Yasser Murtaja e Shireen Abu Akleh, cujas vidas foram roubadas, violando flagran­temente seu direito à vida e segurança. As violações contra os jornalistas, ou “emissores”, não se limitam apenas a casos extremos de morte. Nesta pesquisa, estou me referindo a qualquer ocasião em que o Estado cometa crimes diretos contra jornalistas com o objetivo de interromper, intimidar ou restringir o processo de comunicação.

Dada a enorme proporção de casos em que as Forças de Ocupação de Israel miraram deliberadamente os jornalistas, buscando infligir o máximo de danos, apresento alguns dos casos:

 

Em 19 de julho de 2019, o cinegrafista Sami Jamal Taleb Motran de 34 anos (canal Al-Aqsa), foi baleado e ferido por um disparo de bala de borracha no olho.

 

Em 02 de agosto de 2019, o freelancer Osama Shareef Al-Kahlout, de 35 anos, foi baleado e ferido por munição real na perna esquerda. Ele cobria as manifestações da GMR à 200 metros de distância da linha verde.

 

Em 20 de setembro de 2019, Abed Al-Rahman, de 23 anos, foi baleado por munição real na perna. O cinegrafista, que usava colete e capacete – com as inscrições PRESS – cobria a GMR à 300 me­tros. Abed passou por uma cirurgia para remover os estilhaços.

 

Em 27 de setembro de 2019, a IOF abriu fogo contra Ramadan Ibrahim Al-Shareef, jornalista freelancer de 30 anos. A bala – munição real – se alojou no colete a prova de balas, qual, con­tinha a inscrição “PRESS”.

 

Em 25 de outubro de 2019, Mahmoud Khaled Khattab, de 26 anos, foi baleado por munição real no ombro esquerdo enquanto cobria os protestos da GMR.

 

Em 02 de fevereiro de 2020, o jornalista Mashhour Hasan Al-Wahwah, de 37 anos, foi atingido por um disparo de bomba de gás lacrimogêneo no peito enquanto cobria manifestações em Hebron, Cisjordânia. O impacto causou asfixia e dores no peito. O jornalista usava colete a prova de balas – com a inscrição PRESS – mas não conseguiu continuar a cobertura.

 

Os crimes mencionados destacam a violência despropor­cional e o desrespeito pelo direito à vida e à liberdade de imprensa por parte das forças israelenses. A perseguição e o ataque a jornalistas representam uma clara violação dos princípios estabe­lecidos pelas leis internacionais que protegem a integridade física e a liberdade de expressão desses profissionais. Porém, como afirma publicamente o Knesset, isso tudo é apenas “limitação a soberania” do Estado.




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