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Foto do escritorSiqka

Conferência anual do Sindicato de Jornalistas Palestinos

No Brasil, o dia 29 de janeiro é lembrado como Dia do Jornalista. A data foi escolhida em memória de José do Patrocínio, que morreu neste dia, no ano de 1905. Ainda hoje, José do Patrocínio é considerado um dos maiores jornalistas da abolição.

 





Coincidentemente, fomos convidados pelo amigo Musa Al-Shaer, secretário executivo do Sindicato de Jornalistas Palestinos (PJS), para participar de uma conferência sobre as violações dos direitos humanos cometidas contra os profissionais de imprensa. O evento foi realizado na sede do Crescente Vermelho da Palestina, nas cidades de Ramallah e Gaza simultaneamente.

 

Abu Khaled nos deixou próximo à sede do Crescente, como tínhamos uma hora antes do início da conferência, aproveitamos para conhecer o campo de Refugiados de Al-Amari. Este campo foi estabelecido como provisória para abrigar os palestinos expulsos de suas casas durante à Nakba. Inicialmente os abrigos eram tendas precárias, como o problema dos deslocados internos nunca foi resolvido, os habitantes resolveram trocar suas tendas por casas de alvenaria. Como a maioria dos campos na Cisjordânia, Al-Amari sofre com superlotação, além de precárias redes de água e esgoto.

 

Andando pelo campo, percebemos algumas pichações de líderes da OLP e mártires palestinos, desenhos que mandam um recado muito claro para a ocupação. Vimos também outro símbolo muito comum, na porta de entrada de uma das casas haviam chaves penduradas. Para os palestinos, em especial se refugiados, a chave possui um simbolismo muito forte. Quando foram expulsos, muitas pessoas guardaram as chaves para o dia que pudessem retornar para suas casas. No entanto, não há casas para voltar. Em 1948, Ben-Gurion deu ordem para demolir as casas para anular possibilidade de retorno. As casas ruíram para dar lugar aos assentamentos israelenses, mas as chaves ficaram. Infelizmente, já se passou tanto tempo que muitos daqueles que foram expulsos já morreram enquanto esperavam pelo dia de poderem voltar.

 

Queria muito conversar com algum morador do campo de Al-Amari, saber mais sobre suas histórias, de certa forma, muito que precisava saber já estava marcado nas paredes ou nas portas das casas; e como estava cedo, não tinha ninguém na rua.

 

Voltamos para o local da conferência para esperar. O Crescente Vermelho Palestino é uma organização humanitária que faz parte do Movimento Internacional da Cruz Vermelha. Uma curiosidade é que o centro foi fundado por Fathi Arafat, irmão de Yasser Arafat, em 1968. A organização fornece hospitais, serviços de medicina de emergência e ambulância e centros de cuidados de saúde primários na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Do lado de fora pudemos acompanhar os palestinos carregando um caminhão com colchões e outros artigos humanitários.

 

Musa nos encontrou do lado de fora, mas pediu para outra jornalista do sindicato nos acompanhar. No elevador, um jornalista palestino nos viu conversando. Hanzim Manoly, que havia morado em Madrid falava muito bem espanhol, e acabou se oferecendo para nos guiar. Pegamos os crachás de identificação na recepção e seguimos para o auditório.

 

Esses anos que trabalho escrevendo sobre a Palestina, acabei identificando o incansável esforço do Estado de Israel para combater jornalistas. Dessa maneira, entrevistei muitos profissionais, desde então, venho reportando as violações que esses profissionais enfrentam diariamente no exercício de sua profissão.

 

Me emocionei logo no vídeo de abertura do evento, quando as primeiras imagens a serem exibidas foram as do fotojornalista Muath Amarneh, o primeiro jornalista que entrevistei na Palestina.

 

Após ver o vídeo do resgate de Muath – jornalista que se tornou amigo –, foram apresentadas imagens de Yasser Murtaja, assassinado na Grande Marcha do Retorno (GMR), em 2018. Não tive a honra de conhecer Murtaja; porém, conheço muito bem seu trabalho e sua história. No ano passado, seu irmão, Motassem Murtaja, também me concedeu uma entrevista.

 

Quando comecei a escrever sobre as violações dos direitos humanos na Palestina, percebi que ferir, prender e matar profissionais de imprensa são estratégias do estado colonial sionista para silenciar os “mensageiros da paz” – como Hanzim, nosso tradutor, os chama. Segundo dados fornecidos durante a conferência, somente no ano de 2022, ao menos 900 crimes e violações foram cometidos contra o jornalismo palestino pelo regime de ocupação israelense.

 

O PJS alertou também para escalada de violência no campo de refugiados de Jenin, como o que presenciamos na última semana. O caso mais recente mencionado, o qual emocionou a todos os 1500 presentes na conferência, aproximadamente, foi o assassinato da jornalista Shireen Abu Akleh, baleada na cabeça em 11 de maio de 2022, enquanto cobria uma invasão militar em Jenin. Outros casos de violência contra os profissionais de imprensa palestina foram mencionados durante a conferência. Vale recordar dos relatos de Janna Jihad[1] e Adham Al-Hajjar[2].

 

Os ataques da ocupação israelense contra jornalistas palestinos se tornaram um caso tão pessoal que, em 2020, iniciei uma pesquisa científica sobre o assunto. Neste entremeio, me deparei com uma situação adversa de reclamações de profissionais sobre a liberdade de imprensa durante a Copa do Mundo do Catar. No entanto, desta vez, os reclamantes eram repórteres israelenses, que decidiram batizar o evento de “Copa do Ódio”. O próprio governo de Israel aconselhou aos jornalistas e torcedores israelenses que não usassem símbolos ou bandeiras do Estado sionista e que evitassem o idioma hebraico em público. Após anos escrevendo sobre as violações contra jornalistas palestinos e conhecendo tão intimamente suas histórias, não pude deixar minha indignação de lado e acabei escrevendo um artigo sobre isso, intitulado Intifada das Chuteiras, no que relato como é desproporcional o que palestinos e israelenses consideram uma violação da liberdade de imprensa.

 

A violência contra os jornalistas palestinos é parte dos esforços israelenses para impedir que os crimes da ocupação sejam reportados ao mundo. Intimidar, prender, agredir e violentar esses profissionais é o modus operandi sionista para calar a voz palestina. Hoje, em um dia tão especial para todos nós, “mensageiros da paz”, convido todos os colegas a refletirem: como podemos ajudar nossos colegas da Palestina ocupada a conquistarem sua própria abolição, como fez José do Patrocínio?

 

Terminado a Conferência, Hanzim nos deixou na garagem onde vans aguardam os passageiros no centro de Ramallah. Mesmo com todos nos dizendo que ir até Jericó àquela hora do dia seria complicado, seguimos assim mesmo, afinal, nossos dias pela Palestina também estão passando e ainda tem muitos lugares para visitar e coisas para ver aqui.

 

Pegamos um transporte até Ariḥa, como Jericó é chamada em árabe e seguimos pela estrada. É muito louco como a Palestina é um território tão pequeno e possui uma adversidade natural tão rica. No caminho para a cidade mais antiga do mundo (aproximados 10 mil anos), vimos uma paisagem desértica completamente diferente de todas as outras que já vimos. Conosco na van havia um senhor beduíno que desceu no meio do nada, foi quando vimos que ele caminhou na direção de algumas tendas que havia no meio daquele deserto. Os beduínos palestinos são outra história de violação ao qual gostaria de me aprofundar, mas como sei que não teremos tempo, seguimos nosso caminho.

 

Em Jericó, no Vale do Jordão é completamente diferente. Ao longe vimos as pedras e areias serem tomadas por um oásis. Me senti como o jovem alquimista Santiago[3]. Tem tanta coisa para ver. Para citar algumas: a Fonte Ein as-Sultan (Fonte de Eliseu para judeus e cristãos); Qasr al-Yahud, onde Jesus foi batizado; O Mosteiro Ortodoxo Grego, onde Jesus jejuou por 40 dias; O sicômoro de Zaquel, árvore que o homem subiu para ver Jesus passar; o Mosteiro de São Jorge; e o que eu mais queria ver, o Jebel Quruntul (Monte da Tentação), local onde o demônio tentou Jesus, que agora possuí até um teleférico.

 

“Novamente o transportou o diabo a um monte muito alto; e mostrou-lhe todos os reinos do mundo, e a glória deles. E disse-lhe: Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares. Então disse-lhe Jesus: Vai-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele servirás. Então o diabo o deixou; e, eis que chegaram os anjos, e o serviam.” Mateus 4:8–11

 

Optamos em ir ao Hisham´s Palace. O palácio é mesmo um mistério, sabe-se que pertence ao período omíada[4] graças as escavações arqueológicas. Nossa visita foi acompanhada de sossego e calmaria, éramos os únicos no local. Pudemos fazer tudo com a calma e tranquilidade, apesar da falta de tempo. No pátio de entrada, há uma Janela de pedra em formato de estrela de seis pontas com um círculo oco no meio. A janela, durante o califado, era o ponto mais alto do palácio.

 

De todas as escavações do sítio arqueológico, a joia mais preciosa foi recuperada com apoio do governo japonês, ao qual, guarda uma placa de agradecimento na entrada. Entrando no galpão coberto nos deparamos com gigantescos mosaicos coloridos. Mandalas geométricas que são verdadeiras obras de arte; milhões de pedrinhas coloridas formando um dos maiores mosaicos que sobreviveram do mundo antigo. O mais belo de todos é o da “Árvore da Vida” com um leão atacando uma gazela, ao qual existem muitas interpretações, mas não vou me arriscar em nenhuma, pois considero a arte uma manifestação com diversas possibilidades para cada pessoa.

 

O Hisham’s Palace é um dos monumentos islâmicos mais importantes da Palestina e uma grande atração para visitantes estrangeiros e palestinos. Em 2010, segundo dados levantados pelo Ministério de Turismo e Antiguidades da Palestina, o local recebeu 43.455 visitantes. Dentro do sítio arqueológico existe uma escola que ensina e dá cursos sobre a confecção de mosaicos, é mais uma tentativa de recuperação e preservação da cultura local. Caminhamos até ele, mas estava fechado.

 

Chegando perto da hora do sol se pôr, tratamos de acelerar o passo e quem sabe ver mais alguma coisa no centro de Jericó. Não havia táxi ali, decidimos voltar os 4km andando. Por sorte, acabamos pegando uma carona com um palestino e um gringo que vivem em Jericó, eles nos deixaram bem no centro, onde pegaríamos a van de volta para Ramallah.

 

Antes de conhecer outro lugar na cidade, fomos nos informar sobre o último horário do transporte. O motorista nos mandou entrar no carro, disse que os israelenses fecharam a estrada principal e aquele seria o último carro. Não era papo furado, era real, a van saiu antes da hora e não tivemos tempo para ver mais nada. A situação era tão crítica que o motorista nem esperou o carro lotar, saiu com a metade da capacidade de passageiros.

 

Quinze minutos pela estrada e lá estavam eles, os soldados realmente fecharam a estrada. A fila parecia interminável. Para nossa sorte, pela segunda vez no dia, conseguimos embarcar há tempo; se não tivéssemos pego uma carona com estranhos ou tivéssemos ido para outro ponto turístico, teríamos que dormir em Jericó, o que não seria legal, visto que ontem houve conflito entre soldados e manifestantes na cidade. Ficamos mais de 40 minutos parados, olhando pela janela a Di falou “olha isso”, quando olhei também, vi meninos (no máximo 15 anos) correndo em direção aos soldados com camisas e hattas amarrados no rosto e pedras na mão. Estávamos muito perto dos soldados, e presos em uma van, se eles atirassem na direção dos meninos não daria tempo de se esconder. Ficamos apreensivos, mas ver os palestinos que estavam conosco tão calmos, como se aquilo não fosse nada demais, acabou nos dando conforto.

 

Não conseguimos ver se os meninos atiraram mesmo as pedras, e só os vimos voltar. Acho que não aconteceu nada, porque quase uma hora parados a fila começou a andar. Os soldados param os carros um a um, a fim de dificultar ainda mais o dia. Quando chegou nossa vez, o palestino no banco da frente pediu nosso passaporte para entregar aos soldados. Quando uma soldada mulher abriu a porta da van, como quem abre uma jaula, ela começou a gritar. Como estávamos sentados no último banco ela não nos viu, mas o palestino fez questão de exibir nossos passaportes em primeiro lugar. Sem pensar, depois de ver que tinha dois gringos no carro, a soldada devolveu os documentos, bateu a porta e mandou o motorista sair logo dali.

 

A ordem é sempre a mesma, se livrar dos estrangeiros o mais rápido possível, para que não vejam fotografem ou reportem os crimes cometidos pelos soldados. Acelerando o motorista seguiu o conselho da soldada e saiu sem olhar para trás. O homem que estava com nossos passaportes nos entregou e agradeceu por estarmos ali.

 

Foi um dia quase tão acelerado quanto aquela van que nos levou embora depois de horas parado em um bloqueio de soldados israelenses em uma estrada palestina. No caminho, lembramos que não tínhamos comido nada além de um falafel e uns morangos que ganhamos de boas-vindas logo que chegamos em Jericó. Quando chegamos em casa, dessa vez não por sorte, mas por carinho mesmo, a Ruayda havia preparado um jantar maravilhoso; e para sobremesa, alguns dos doces que aprendeu na aula em Nablus.



 

[1] Começou a reportar a ocupação aos sete anos de idade; aos treze foi reconhecida como uma das jornalistas mais novas a documentar as violações contra os direitos humanos.

[2] Adham al-Hajjar foi baleado na perna por munição expansiva (decretado crime de guerra durante à 4ª Convenção de Genebra), enquanto cobria a Grande Marcha do Retorno, em 2018.

[3] Referência ao personagem Santigo do livro “O Alquimista”, de Paulo Coelho.

[4] Califado Omíada (661 – 750) foi o segundo dos quatro principais califados islâmicos, estabelecidos após a morte de Maomé. Era centrado na dinastia Omíada, originária de Meca, atualmente na Arábia Saudita.

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