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Foto do escritorSiqka

Na comunicação e contra o apartheid somos todos emissores e receptores

Querendo ou não, na comunicação, cada indivíduo assume o papel tanto de receptor quanto de emissor. Recebemos constante­mente mensagens, algumas de forma explícita e outras de maneira mais sutil, que interpretamos consciente ou inconscientemente. As mensagens diretas, como os bilhetes deixados em geladeiras ou as notícias impressas em jornais, são exemplos de comunica­ção explícita, pois são transmitidas com um destinatário específico em mente. Por outro lado, as formas de comunicação indiretas ou subliminares são as mais insidiosas, uma vez que nos influenciam a adquirir produtos e adotar comportamentos sem que tenhamos consciência disso.

O marketing sugestivo é uma técnica que utiliza sugestões sutis para moldar o comportamento do consumidor. Em vez de apresen­tar diretamente um produto ou serviço, ele cria associa­ções positivas por meio de imagens e contextos que evocam emoções e desejos. Essa abordagem visa influenciar as escolhas de consumo de maneira subliminar e subconsciente. Devemos estar atentos às diversas formas de comunicação que nos cercam, a fim de não sermos inadvertidamente manipulados por estratégias ocultas.

Para além do aspecto do consumo material, há algo ainda mais perigoso que o consumismo, frequentemente oferecido de forma gratuita. Pior que consumir coisas ou marcas, é consumir as ideias que elas representam.

Milhares de exemplos desse marketing sugestivo e outras formas de propagandas de ideia podem ser encontrados na indús­tria cinemato­gráfica. Quem nunca se emocionou ao assistir ao filme “Sete Anos no Tibete”? A narrativa cuidadosamente elabo­rada por Hollywood pinta uma imagem cativante de um alpinista austríaco, dos monges tibetanos e do próprio Dalai Lama. O mesmo filme, retrata os comunistas chineses como demônios destruidores de mandalas e assassinos de camponeses ino­centes. A realidade por trás dessa história é muito mais complexa. Surpreendentemente, Heinrich Harrer, o personagem interpretado por Brad Pitt, foi um membro ativo do partido nazista na Áustria, mesmo após o partido ser considerado ilegal no país. Harrer chegou a fazer parte da Sturmabteilung (SA) e Schutzstaffel (SS). O filme não apenas omite esses detalhes importantes, mas também manipula nossas emoções para alimentar uma visão preconcebida contra os comunistas chineses. Vale ressaltar que, antes da invasão chinesa, o 14º Dalai Lama liderava um governo feudal que manti­nha aproximadamente 90% da população tibetana sob um regime de servidão e escravidão, no qual, muitas vezes, os servos eram punidos com amputações de membros e outras penas bárbaras, isso em pleno século XX.

O motivo para essas informações terem sido escondidas pelos roteiristas do filme não foi um mero acaso, será que eles não leram o livro de Harrer? O próprio Harrer descreve muito bem esse tipo de regime.

 

“O Tibet é governado em um sistema feudal segundo o qual homens, animais e a terra pertencem ao Dalai Lama, cujas ordens têm força de lei.” Harrer 1953 [99]

“Não existe polícia, pelo menos não no sentido que conhecemos. Os bandidos são sentenciados publicamente. As punições são bem drásticas, mas aparentemente bem aceitas pela população. Contaram-me sobre um homem que roubara uma lamparina de ouro de um dos templos em Gyirong. Foi condenado a uma sentença que, para nós, é desumana. Suas mãos foram decepadas publicamente e ele foi amarrado com um couro molhado de iaque. Depois que o couro secou, foi atirado de um precipício. Nunca tínhamos visto punição tão cruel. Com o passar do tempo, os tibetanos parecem ter se tornado mais brandos em suas sentenças. Lembro de ter testemunhado um açoitamento público que, para mim, não foi suficientemente severo. As pessoas condenadas eram um monge e uma monja pertencentes à Igreja Budista reformada, que obriga ao celibato. A monja morava com o monge e teve um filho com ele, mas matou a criança ao nascer. Ambos foram denunciados e colocados no pelourinho. Sua culpa foi publicamente anunciada e eles foram condenados a cem chicotadas cada um. Durante o açoitamento, os habitantes imploraram às autoridades por clemência, oferecendo presentes e dinheiro. Isso causou uma redução na sentença e suspiros de alívio foram ouvidos da multidão de assistentes. O monge e a monja foram exilados e despojados de sua posição religiosa. A solidariedade demonstrada pela população para com eles era quase inconcebível para nossos padrões. Os pecadores receberam numerosos presentes em dinheiro e provisões e deixaram Gyirong para uma peregrinação com a bagagem cheia.” Harrer 1953 [99]

 

A ocultação dos verdadeiros personagens, Harrer, Dalai Lama e a forma de governo feudal do Tibete encontra explicação nos interesses geopolíticos estadunidenses. Desde o 13º Dalai Lama, os EUA financiaram os líderes budistas do Tibete como parte de uma estratégia anticomunista, estabelecendo uma ligação que vai além da relação direta do líder budista com o imperialismo. Além das questões armamentícias, os Estados Unidos e Israel compartilham laços estratégicos na influência sobre a propaganda cinematográ­fica, conforme evidenciado no livro "An Empire of Their Own: How the Jews Invented Hollywood". A obra narra a história de vários produtores de cinema judeus e como a indústria cinemato­gráfica de Hollywood foi utilizada como veículo de propaganda imperialista e sionista.

Como uma sociedade da era telespectadora, precisamos exercer olhares críticos sobre as narrativas veiculadas pela mídia e as mensagens ocultas em filmes produzidos pela indústria cultural, a fim de compreender as complexidades das histórias que nos são apresentadas e evitar a manipulação de nossas percepções em prol de agendas políticas e econômicas específicas. Heinrich Harrer e o Dalai Lama, não são exceções à regra da manipulação midiática. George W. Bush, ex-presidente dos EUA, como um dos magnatas do petróleo texano, mantinha relações comerciais com a família de Bin-Laden [100]. Da mesma forma, Obama foi vendido como símbolo na luta antirra­cista, mas, após ser eleito, se tornou o presidente sob o mandato que mais invadiu territórios e subjugou povos no Oriente Médio [101]. 

Se todos somos receptores e se as mídias de comunicação e seus profissionais possuem técnicas específicas para influenciar a nossa percepção mediante uma imagem distorcida da realidade, quer dizer que estamos todos sendo violados por estratégias de manipulação? – Sim!

Para compreender essas questões, é necessário fazer outras perguntas fundamentais, como: O que define um meio de comuni­cação? A quem esses meios servem? E qual é o seu poder de influência na formação do pensamento crítico dos cidadãos, ou receptores, em todo o mundo?


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