UNICEF alerta para risco de violência sexual contra 12 milhões de pessoas no Sudão
- Derek Emidio
- 14 de mar.
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O agravamento da guerra no Sudão colocou mais de 12 milhões de pessoas em risco de sofrer violência sexual, segundo alerta do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). O órgão denuncia o uso generalizado dessa violência para “aterrorizar” a população.

À medida que o conflito se aproxima de dois anos, a diretora-executiva do UNICEF, Catherine Russell, afirmou, durante uma reunião do Conselho de Segurança da ONU na última quinta-feira (14), que o número de mulheres e meninas – e, cada vez mais, homens e meninos – expostos a estupros e agressões sexuais aumentou 80% no último ano.
Com base em dados analisados pelo UNICEF, Russell revelou que, em 2024, foram registrados 221 casos de estupro infantil em nove estados sudaneses. Desses, 16 envolveram crianças com menos de cinco anos, e quatro vítimas eram bebês com menos de um ano de idade.
“Esses números representam apenas uma pequena amostra de uma crise muito maior e devastadora”, declarou Russell. Ela explicou que muitos sobreviventes e suas famílias não denunciam os casos devido ao medo do estigma social, dificuldades para acessar serviços ou risco de represálias.
O encontro no Conselho de Segurança destacou o impacto da guerra nos 16 milhões de crianças que precisarão de assistência humanitária em 2024, consequência da disputa entre as Forças de Apoio Rápido (RSF), grupo paramilitar, e as Forças Armadas do Sudão (SAF).
O conflito, iniciado em abril de 2023, já deixou dezenas de milhares de mortos, forçou o deslocamento de mais de 12 milhões de pessoas e gerou a maior crise humanitária do mundo.
Russell também apontou que, entre junho e dezembro de 2024, foram registradas mais de 900 violações graves contra crianças, sendo que 80% das vítimas foram mortas ou mutiladas, principalmente nos estados de Cartum, Al Jazirah e Darfur.
A reunião aconteceu enquanto o Exército sudanês acusava o grupo paramilitar RSF de atacar civis na capital do estado de Darfur do Norte, El-Fasher, matando cinco crianças menores de seis anos e ferindo quatro mulheres na última quarta-feira (13).
A situação em El-Fasher se deteriorou nos últimos meses, com a RSF tentando consolidar seu domínio sobre Darfur, após o Exército ter obtido vitórias no centro do Sudão. A cidade é a única das cinco capitais estaduais da região que ainda não está sob controle paramilitar.
O secretário-geral da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), Christopher Lockyear, acusou os grupos em conflito de não apenas falharem na proteção dos civis, mas de “agravar ativamente o sofrimento” da população.
“A guerra no Sudão é uma guerra contra as pessoas, e isso se torna mais evidente a cada dia”, afirmou Lockyear.
Ele também criticou o Conselho de Segurança da ONU por insistir em pedidos de cessar-fogo que, segundo ele, não se traduzem em ações concretas.
“O fracasso deste conselho em transformar suas próprias exigências em medidas efetivas soa como um abandono dos civis à violência e à privação”, disse Lockyear. “Enquanto declarações são feitas nesta sala, civis continuam invisíveis, desprotegidos, bombardeados, cercados, estuprados, deslocados e privados de comida, atendimento médico e dignidade.”

Diante do aumento da violência, a MSF suspendeu, no mês passado, todas as atividades no campo de refugiados de Zamzam, próximo a El-Fasher, onde há uma grave crise de fome.
O embaixador do Sudão na ONU, Al-Harith Idriss Al-Harith Mohamed, defendeu que o governo sudanês tem um plano nacional para a proteção dos civis. Ele ainda alegou que Lockyear não mencionou essas preocupações em uma reunião privada anterior.
O repórter da Al Jazeera na ONU, Gabriel Elizondo, destacou que, durante a reunião do Conselho de Segurança, diplomatas frequentemente citaram a Declaração de Jeddah – um acordo assinado em 2023, sob mediação dos Estados Unidos e da Arábia Saudita, que previa a proteção dos civis no conflito sudanês.
“A Declaração de Jeddah é repetidamente mencionada como algo a ser retomado”, relatou Elizondo. No entanto, Lockyear defendeu que a comunidade internacional precisa ir além do acordo e buscar um novo pacto para o Sudão.
Enquanto as discussões continuam, milhões de civis seguem expostos à violência, sem garantia de segurança ou auxílio humanitário adequado.