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Foto do escritorSiqka

Ditadura Militar: um vício que precisa ser exorcizado diariamente no Brasil

Infelizmente, não estava no Brasil durante o segundo turno das eleições que levaram Jair Bolsonaro à presidência. Estava fora do país, em trânsito, fui impedido de votar, uma falha do sistema eleitoral que desconsidera o direito ao voto de quem vive no país, mas está momentaneamente fora. Apesar disso, eu e a camaradamos-esposa, Diana Emidio, passamos madrugadas no celular, engajados no movimento “vira-voto”, tentando evitar que o Brasil entregasse as rédeas a um milico xenofóbico e escroto.


Entre as inúmeras mensagens de WhatsApp, uma conversa inevitável aconteceu com meus pais.


Minha mãe, que costuma repetir que “não gosta de política”, ainda assim vota. Ela não se guia por ideologias, mas por valores. Analisa o comportamento dos candidatos: suas falas sobre mulheres, negros, LGBTQIA+ e outros grupos marginalizados. Nesse crivo, Bolsonaro não passava. Quando conversamos, ela já estava decidida a votar em Haddad, mas eu quis reforçar.


Perguntei se ela se lembrava dos crimes da ditadura militar que Bolsonaro tanto glorificava. Sua resposta foi imediata: sim, eram repugnantes. Disse-lhe que, se ele fizesse metade do que prometia, eu poderia ser um entre os milhares torturados e mortos nos porões daquela ditadura. Ela me interrompeu: me conhecia bem para saber que não era blefe, jamais contribuiria para isso. Votaria em Haddad — não por política, mas por humanidade. Jamais seria cúmplice do derramamento do sangue de seu próprio filho ou do filho de qualquer outra mãe!


Com meu pai, o cenário foi outro. Ex-militar, com uma carreira que durou apenas um ano como pintor de meio-fio, sua experiência política limitava-se ao Grêmio do Exército. Ele admirava Bolsonaro, movido pelos slogans de “costumes, fé, pátria e família”. Questionei: “Pai, você nunca foi religioso, patriota e... nem vamos falar de família.” Insisti: “Pense no que significaria, para mim ou para outros, viver sob um regime que ele defende.” Usei do mesmo argumento que usei com minha mãe e disse que ele seria responsável por derramar o meu sangue e de outros filhos.


Aquela conversa me feriu bastante. Não sei em quem ele votou. E, sinceramente, prefiro não saber.

Meu pai que sustentou nossa casa nunca foi cruel ou intencionalmente ruim. Seus maiores erros foram contra si mesmo e, como família, aprendemos a perdoá-los. Mas sua admiração por Bolsonaro não era fruto de maldade, e sim do cansaço de quem sempre esteve exausto demais para questionar o que via no Jornal Nacional.


Meu pai acordava antes das seis, trabalhava o dia inteiro e, à noite, fazia bicos com trabalhos de informática para complementar a renda. Ele, como tantos outros brasileiros, foi alimentado por uma mídia que normalizou o autoritarismo, glorificou a ditadura e demonizou as políticas sociais. Nunca teve tempo ou energia para buscar outras narrativas. Ele foi uma vítima da ditadura — não dos tanques e fuzis, mas da propaganda e da alienação.


Hoje, entendo que os verdadeiros heróis da pátria não usam fardas, ele são: pedreiros, costureiras, faxineiras, operários, enfermeiras e trabalhadores comuns como meus pais. Eles não tiveram tempo para se engajar politicamente, porque estavam ocupados lutando para criar dois filhos – um deles muito problemático – e colocar comida na mesa, vivendo sob as regras de um sistema que os explorava. A ditadura nunca se foi; ela permanece um vício que apenas trocou os generais pelas empresas midiáticas e elites econômicas, que continuam esmagando aqueles que sustentam o país.



Eu não fui vítima da tortura da ditadura, mas meus pais, e milhões como eles, foram e são até os dias de hoje. Não foram torturados fisicamente, mas tiveram suas mentes e possibilidades sequestradas.


Se quisermos resistir ao vício do militarismo, da ditadura e todas essas merdas, precisamos começar aqui, combatendo a desinformação, valorizando a educação política e defendendo os verdadeiros heróis: aqueles que, sem tempo ou reconhecimento, sustentam este país; muito diferente daqueles que ficam degustando de viagra e leite-condessando em suas orgias militares.





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