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Foto do escritorSiqka

Yasser Murtaja, jornalistas assassinado pelo exército israelense com munição proibida pela Convernção de Genebra

Faixa de Gaza, abril de 2018

Mais de 50 mil palestinos marcharam para os limites da fron­teira que separa a Faixa de Gaza do resto do mundo. Não eram soldados. Eram pessoas comuns, homens, mulheres, idosos e crianças que ombro a ombro marcharam novamente para exigir os seus direitos consecutivamente negados. Os religiosos aproveita­vam a sexta-feira para fazer suas orações em grupo, enquanto os mais novos empinavam pipas que voavam para mais longe que qualquer um deles tivesse ido antes. Muitos deles levantavam as mãos, não para agredir, mas para exibir as chaves das casas que foram expulsos para que houvesse o Estado de Israel.

Yasser Murtaja, enquanto fotografava as crianças levando suas pipas ao céu, recordava quando se sentia livre fazendo o mesmo. Nascido e criado no território espremido pelo Estado de Israel, entre o mar mediterrâneo e o deserto, conhecia uma Faixa de Gaza que a mídia internacional nunca se preocupou em mostrar ao mundo. Ele via um lugar onde apesar de todas as dificulda­des, as relações entre o povo, sua terra e sua história, permaneciam inalteradas na memória mesmo após décadas de ocupação. Essa era a mensagem que queria enviar para além da fronteira e esse era o motivo para estar presente naquele dia.

O jovem jornalista, além de cumprir seu papel como palestino, estava presente na Grande Marcha do Retorno trabalhando como profissional de imprensa, conforme estampado em seu capacete e colete a prova de balas. Como jornalista, ficou conhecido pela cobertura no resgate de Bisan Daher, uma menina que passou horas soterrada com os mortos de sua família depois que Israel bombar­deou sua casa. Murtaja se enfiou no meio dos escombros para filmar, mas conquistando a menina com seu sorriso, acabou ajudando no resgate. Desde então ele percebeu que sua câmera poderia servir como ferramenta para salvar vidas. Sua cobertura na GMR, visava captar imagens de dentro do território e distribuí-las para fora da fronteira, mostrando ao mundo que os palestinos e seus direitos estavam mais uma vez sendo soterrados.

Quando se juntou às manifestações do dia 6 de abril de 2018, o jornalista sorridente já era considerado um ídolo, principalmente para as crianças, que viam nele o herói capaz de voar com seu drone para além das barreiras da ocupação. A realidade era que ele estava tão preso dentro daqueles muros quanto qualquer outro. Naquele dia, aos 30 anos, o palestino foi atingido no estômago por um disparo de munição real – provavelmente expansiva – que atraves­sou o colete a prova de balas derrubando-o no chão. Socorrido pelos companheiros, Yasser Murtaja, nos braços do povo palestino, olhou para o céu e seus olhos viram pela última vez as pipas coloridas de Gaza. 

Murtaja, que estava a uma distância de aproximadamente 350 metros da linha verde, não resistiu ao ferimento e naquele dia se tornou o primeiro jornalista mártir da Grande Marcha do Retorno. Neste mesmo dia, outras nove pessoas foram mortas, e mais de 1.350 ficaram feridas, incluindo outros sete jornalistas.

O Ministério da Defesa israelense alegou que os antecedentes criminais do jornalista levaram a crer que Murtaja coletava infor­mações com um drone para o Hamas. Avigdor Lieberman, ministro da Defesa, declarou que “qualquer um que voe drones acima dos soldados de Israel deve saber que está se colocando em risco”. [37]

 

 “Vemos dezenas de casos de militantes do Hamas disfarçados de médicos e jornalistas.”  Avigdor Lieberman [37]

 

Cinco dias após o assassinato de Yasser Murtaja, o Centro de Informações sobre Inteligência e Terrorismo (ITIC) de Israel publicou um relatório acusando o jornalista de ser um capitão da Brigada Izz ad-Din al-Qassam, o braço armado do partido Hamas. O documento não apresentou uma única prova que corroborasse a acusação; o mais próximo que chegou foi outra alegação de que, segundo informantes secretos, a família da vítima recebeu condo­lências de um líder do Hamas. Após uma suposta investigação de cinco dias, Israel concluiu que a morte de Murtaja e outras 17 pes­soas inocen­tes era uma “manipulação” midiática pró-palestina e que na verdade todas as vítimas estavam de alguma maneira vinculados ao terrorismo [37].

– Sim! Realmente houve manipulação! A manipula­ção foi a afirmação de que o jornalista operava um drone perto da linha verde ou tinha qualquer ligação com o Hamas, ou outro grupo de resistência armada. Israel usou esse argumento como forma de se eximir do assassinato e culpar a própria vítima por sua morte. Em entrevista. Mutassem – irmão de Yasser Murtaja e último a segurar sua mão na ambulância – afirmou que, ao saírem juntos de casa, seu irmão optou por levar apenas a câmera de mão.

 

“Ele não estava com o drone naquele dia, por medo de que seu equipamento fosse abatido.” Mutassem Murtaja, 2022 [38]

 

Sem condições de continuar sustentando as descaradas afirma­ções de Lieberman, as IOF confirmaram que não houve uso de nenhum drone próximo às cercas de fronteira naquele dia.

A declaração oficial do exército de Israel, embora tardia, poderia ter mostrado a verdadeira face do sio­nismo para o público, no entanto, o estrago já estava feito. Por mais de uma semana, jornais de todo o mundo já haviam compartilhado a men­sagem de que tropas israelenses haviam “neutralizado” um “capitão” do Hamas, quando deveriam estampar em suas manche­tes que mais um jornalista palestino foi assassinado pelo estado de Israel. Sendo assim, as retratações, quando feitas, não passaram de notas em um rodapé.


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