A menina palestina dos campos de refugiados - Introdução
Gostaria de começar minha história de outra maneira, em outro lugar e em outros tempos, mas não tenho essa escolha. Dizem que a história é como uma tapeçaria, onde milhares de fios distintos em tonalidade e textura se entrelaçam no tear. Às vezes, esses fios se sobrepõem; outras, passam por baixo. Uma coreografia de movimentos que sobem, descem ou atravessam de um lado para o outro, na qual cada fio, ponto ou nó é posicionado com a maestria do tecelão para compor uma única e complexa trama. Na tapeçaria que forma a história de cada palestino, todos os fios se cruzam em um mesmo ponto do tear. Para mim, esse ponto se inicia antes do meu próprio nascimento, na condição de refugiada de uma guerra da qual não tomei parte.
O lobo chegou à nossa porta em maio de 1948, mas antes disso já havia derramado muito sangue. A voz dos megafones não deixou escolha para ninguém em al-Abbasiya; a ordem era que todos os palestinos deixassem suas casas, levando apenas o que conseguissem carregar. Ninguém sabia para onde ir ou quando poderiam retornar, todos temiam ser devorados por aquela fera. No norte, Ṭabariyyah sucumbiu em 18 de abril, seguida por Haifa, a única cidade portuária sob controle dos palestinos. Quase todos os 75 mil palestinos que lá viviam foram forçados a fugir. Milhares buscaram refúgio no porto, apenas para serem atingidos pelos morteiros. Aqueles que tentaram invadir os barcos em busca de uma fuga pelo mar, naufragaram, quase todos morreram afogados. Em Safed, nem a população palestino-judaica escapou. Os 2.400 judeus ultraortodoxos originários desta terra, preferindo a coexistência pacífica com seus vizinhos muçulmanos e cristãos, pagaram com a vida ou exílio. Os que viviam na costa mediterrânea foram forçados a se deslocar para a região próxima à fronteira com o Egito, formando o que hoje é conhecido como Faixa de Gaza, o maior gueto do mundo.
Mesmo na cidade considerada sagrada para judeus, cristãos e muçulmanos, milhares foram brutalmente assassinados ou expulsos para novos campos de refugiados, como Deisheh, próximo a Belém. Um dos poucos bairros de Jerusalém que conseguiu resistir foi Sheikh Jarrah, onde um comandante britânico decidiu intervir, representando uma única gota de humanidade em meio ao oceano de sangue. Os ataques se aproximavam cada vez mais, e em abril foi a vez da região de Yaffa. Dois dias antes da partida dos britânicos, milhares de milicianos do Irgun e Haganah invadiram a cidade. Grupos de palestinos armados tentaram resistir bravamente, mas estavam em desvantagem. O resultado foi a expulsão de 50 mil palestinos.
Com a queda de Yaffa, cidades e vilarejos circundantes se tornaram os alvos. Ainda com os britânicos em solo, no dia 13 de maio chegou a vez de al-'Abbasiyya. Os tiros que rasgavam o ar nas ruas já encontravam as paredes pelo lado de fora. Em casa, todos correram desordenadamente pelos cômodos, recolhendo suas prioridades. Miriam correu até o quarto, envolvendo o recém-nascido em seus braços. Com o bebê no colo, sua primeira escolha foi o Alcorão; em seguida, recolheu as joias que ganhou como dote de seu casamento. Garantiu de não esquecer uma pulseira de ouro adornada com pequenas medalhas decoradas com figuras simbólicas da Palestina que seu noivo Ahmad lhe presenteou no primeiro encontro. Ela parou e pensou por um segundo como sua vida mudou em tão pouco tempo, devaneou até que as bombas a trouxeram de volta a realidade. Recolheu algumas roupas, a maioria de seu bebê e, mesmo sabendo que não iria se casar novamente, encontrou um espaço na mala para o vestido que usou em seu casamento. Ahmad olhou para a esposa guardando aquele vestido, mas não questionou; vasculhou nas gavetas até encontrar alguns documentos antigos, entre eles um registro da casa e de todas as propriedades da família assinado pela administração do findado Império Otomano.
Os mais velhos, como costumavam fazer sempre que iam orar na mesquita Al-Aqsa, asseguraram-se de fechar todas as janelas e portas, como se aquela fosse só outra ocasião corriqueira. Antes de cruzar pela última porta, o patriarca viu pela janela os carros militares devastando suas terras. As raízes do velho eram tão profundas naquela terra quanto as árvores que ele próprio plantou e que, por muito tempo, sustentaram sua família. Enquanto tudo estava sendo consumido pelo caos, ele reservou um mísero segundo para lançar um último olhar e registrar a paisagem em sua memória. Quando todos partiram, se certificou de dar duas voltas na chave, trancando a porta da frente. Retirou a chave da tranca de ferro e guardou-a com tudo que restou de sua vida. Aquela chave o acompanhou até o fim, sem nunca mais ter a oportunidade de encontrar aquele trinco.
Enquanto fugia com a família do marido, Miriam buscava com os olhos algum vestígio de seus pais e suas irmãs, mas era impossível enxergar devido à fumaça espessa da pólvora que se misturava no ar com a poeira levantada pelos blindados e botas que marchavam em sua direção. Os tiros ricocheteavam por todos os lados, acelerando os passos dos idosos e crianças; muitas vezes encontravam um corpo pelo caminho. Estavam em pânico, sem saber qual destino seguir. Aquela foi a pior versão do mundo que conheceram, mas, apesar do medo, mantiveram-se firmes para proteger uns aos outros daquele mundo brutal.
Ahmad liderou seu povo como um beduíno que guia seu rebanho pelo deserto. Às vezes, precisava puxar os idosos pelos braços para afastá-los do fogo que se aproximava; outras vezes, avançava à frente para examinar as esquinas em busca de atiradores à espreita. Cada passo era uma aposta arriscada, tornando a jornada ainda mais longa e mortal. Mais e mais pessoas se juntavam ao grupo, transformando dezenas em centenas a cada cidade que passavam; como afluentes que se unem para formar um grande rio, tornaram-se centenas de milhares em uma única marcha. O calor era insuportável, como se o sol conspirasse com os opressores. Muitos caíram exaustos naquele "corredor humanitário", outros caíram resistindo, sem pedras suficientes e sem que suas súplicas fossem ouvidas; seus corpos foram deixados para os lobos, e as lágrimas precisavam ser suprimidas; só havia chance para os vivos.
Minha família caminhou por dias sob a mira de fuzis e morteiros, enquanto os britânicos que venderam nossas terras tomavam seu chá da tarde. Assim começa minha história. Minha família tentou ao máximo fugir de uma tragédia que acabou por alcançar a todos. Sou filha de Miriam Deib e Ahmad Daoud. Nasci refugiada em um campo na Jordânia, mas sou palestina, da terra onde jazem meus antepassados, à qual não posso retornar. Terra da qual meus pais e outros 800 mil palestinos foram expulsos para que Israel fundasse seu Estado sobre os escombros de nossas vidas. Esse foi o início de nossa diáspora. Na trama da história, os imigrantes europeus de fé judaica chamam esse ponto de independência, mas nós palestinos chamamos de Nakba, que em seu idioma significa "catástrofe".