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O dia que me tornei uma guerrilheira "fedayeen"

As reuniões se tornaram cada vez mais frequentes, e o ambiente em casa esquentou consideravelmente. Embora ainda fosse uma criança, eu sentia o desejo ardente de entender o que estava acontecendo. Meus pais insistiam para que eu não me intrometesse nas reuniões, mas eu percebia que a única maneira de estar presente era servindo chá, uma desculpa que minha mãe sabia ser apenas uma forma de me manter próxima, permitindo-me ouvir o que era discutido.

 

Meu irmão e seus amigos frequentemente criticavam o rei da Jordânia e suas políticas, que afetavam diretamente os palestinos. Falavam também sobre o crescimento da organização e seu sistema clandestino para ajudar aos refugiados. Naquela época, a organização havia construído escolas e instalações médicas que funcionavam como um Estado paralelo dentro da Jordânia, prestando serviços essenciais que o governo não fornecia e nem pretendia fornecer aos palestinos. Mas eu deixava aquela política para os adultos, eu estava particularmente interessada nas histórias sobre as batalhas e como os fedayeens liderados por Abu Ammar estavam lutando contra a ocupação do outro lado do rio. Eu imaginava que aqueles homens em nossa casa estavam realmente fazendo a diferença. Talvez estivéssemos mais próximos do sonho da nossa liberdade e, quem sabe, em breve eu pudesse visitar a mesquita de Al-Aqsa, encontrar os parentes da minha mãe e até voltar a viver em Al-Abbasiyya. Estava ansiosa para compartilhar essas novidades com meu avô em Jericó, no entanto, desde 1967, quando os israelenses ocuparam toda Jerusalém e expulsaram os jordanianos da Cisjordânia, passaram a controlar a fronteira, tornando cada vez mais difícil a entrada de palestinos. Assim, tornar-se raro ir até Jericó.

 

Abu Ammar parecia ser a chave para desvendar todos os segredos que eu procurava. Em árabe, "Abu" significa pai, e geralmente os homens são chamados pelo nome de seu filho mais velho, então Abu Ammar era "o pai de Ammar". Descobrir quem era Ammar poderia revelar quem era seu pai, aquele que liderava os fedayeens e responsável pela liberdade dos palestinos.

 

Em uma das reuniões, ouvi que Abu Ammar havia ordenado a criação de uma base de recrutamento para jovens palestinos se alistarem como fedayeens. Fiquei empolgada com a notícia, mas minha mãe me pegou no momento e mandou que eu me retirasse. "Eu tenho que levar o chá e o falafel," eu protestei, mas ela respondeu que cuidaria disso. Fui dormir sem entender completamente o que era alistamento e onde estava a nova base.

 

No dia seguinte, ao sair da escola, vi um grupo de jovens discutindo política, falando abertamente sobre as conversas secretas que eu costumava ouvir em casa. Eles falavam sobre libertar a Palestina e o retorno dos refugiados às suas casas. Queria ajudar meus pais e também voltar para a Palestina, sonhando com uma vida mais tranquila para todos nós. Percebi que aquele era o posto de alistamento mencionado por meu irmão e entrei na fila.

 

Fui conduzida até uma mesa improvisada onde um fedayeen anotava os nomes dos recrutas. Quando chegou a minha vez, falei com seriedade: "Faysa Daoud, pode escrever aí". O tempo parou, em um instante eu era vítima de todos os olhares, os motoristas na rua pararam seus carros, os jovens na fila e até mesmo os pássaros congelaram no ar e todos começaram a rir de mim. Fiquei furiosa e olhei para eles com raiva, afirmando que tinha mais coragem do que qualquer um ali e que, se todos tivessem a mesma coragem, a Palestina já teria sido libertada. O silêncio pairou no ar por um momento, mas logo todos riram ainda mais alto. O fedayeen pediu para repetir meu nome, e eu respondi: "Faysa Daoud."

 

– Você é parente de Mahmoud Daoud? – ele perguntou.

– Claro, ele é meu irmão.

 

Todos pararam de rir. Percebi que meu irmão era realmente conhecido na organização. Finalmente consegui meu lugar para me tornar fedayeen. Se soubesse que bastava mencionar o nome do meu irmão para evitar aquelas risadas, teria feito isso antes. “Agora todos mim vão pagar caro,” pensei alto, de maneira que alguns pudessem ouvir.

 

Então, meu irmão apareceu. Reconheci sua voz antes mesmo de me virar. Tremendo de nervosismo, sabia que não podia mostrar fraqueza diante daqueles homens. "Vim me alistar. Acho que não há homens suficientes para libertar a Palestina, então é hora de as mulheres também ajudarem," eu disse ao meu irmão, enquanto fuzilava cada engraçadinho com os olhos.

 

Meu irmão sorriu com aquele sorriso gentil e, em seus olhos, pude ver o orgulho que sempre me dava segurança. "Faysa, você não pode se alistar."

 

– Não posso me alistar porque não sou homem? Sei lutar e quero ajudar meu povo tanto quanto qualquer um aqui!

 

– Não é por você não ser homem. Temos muitas mulheres fedayeens, ele respondeu.

 

Meu irmão disse com seriedade. Ele não estava brincando; muitas mulheres ganharam reconhecimento internacional por pegar em armas para defender a libertação da Palestina. Um dos rostos mais conhecidos, após o de Yasser Arafat, é o de Leila Khaled, uma guerrilheira fedayeen que ainda hoje é retratada nos muros dos campos de refugiados palestinos, especialmente aqueles com forte presença dos comunistas da Frente Popular para Libertação da Palestina (FPLP).

 

– Não é por você ser mulher; é porque você ainda é uma menina, Faysa. Seu lugar é na escola! Você precisa estudar e encontrar o seu próprio caminho para ajudar.

 

Chorei ao ouvir isso. Sentia que tudo estava acabado e temia que eles rissem de mim novamente, mas ninguém fez isso. Todos ouviram atentamente. Meu irmão me disse que eu era forte e corajosa e que, quando a Palestina fosse libertada, precisaríamos de médicas, engenheiras, professoras e advogadas para ajudar nosso povo a se reconstruir. Mahmud sabia como se dirigir a mim de forma eficaz. Embora sua voz fosse direcionada a mim, sua oratória captava a atenção de todos, talvez porque, apesar de jovem, ele possuía uma autoridade que inspirava muitos a segui-lo, assim como seguiam Abu Ammar. Meu irmão sempre me incentivou a estudar e me preparar, dizendo que “a educação era a base para tudo”. Naquela tarde, eu compreendi o verdadeiro significado de suas palavras. Se os guerrilheiros tinham um papel crucial na revolução, as acadêmicas, poetisas, artistas, médicas, engenheiras e advogadas também teriam seu papel no futuro da Palestina.

 

Entendi o que meu irmão estava dizendo. Voltei para casa com o coração dividido. Por um lado, sentia muito por não poder ajudar na luta diretamente, mas por outro, compreendi que as armas não eram a única forma de contribuir. Como ele disse, eu precisava encontrar meu caminho e, enquanto isso, me preparar através dos estudos.

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