Primeiro dia de aula
Estava ansiosa para o primeiro dia de aula, por mais que não soubesse ao certo o que era ansiedade e muito menos o que encontraria na escola. Mas sabia que haveria muitas outras crianças para brincar, e isso, para mim, era o suficiente. Acordei mais cedo do que de costume, me arrumei, penteei os longos fios do meu cabelo, ajeitei meu material escolar e parti junto com Zaher para o desconhecido.
Durante o caminho, Zaher foi me dando instruções de como me comportar e me prevenindo das armadilhas escolares. Não prestei muita atenção, vagava em meus pensamentos, e tudo que minha irmã falava parecia apenas blá blá blá...
Desde que os palestinos começaram a ser empurrados de um canto a outro como refugiados, boa parte da nossa educação ficou a cargo da ONU, talvez por sensatez e reconhecimento de sua responsabilidade ao sugerir que nossas terras deveriam ser divididas entre imigrantes que o mundo inteiro rejeitou. Na Palestina, Jordânia e em vários outros campos, a ONU fundou escolas para os refugiados. As escolas que já existiam na Jordânia, como tudo lá, eram para os jordanianos. Raras eram as exceções em que os palestinos podiam estudar com eles, mas como esses ambientes eram hostis, preferíamos escolher as escolas da ONU, onde convivíamos com outros palestinos.
O primeiro dia foi encantador. Muitas das meninas do bairro estavam na minha classe, e acabei conhecendo ainda mais. Desde o primeiro dia de aula pensei: quero ser professora, mas esse desejo logo mudaria uma, duas e até uma dezena de vezes.
Quando o sinal tocou, a professora se despediu e disse "até amanhã". Como assim, já acabou? Nem vi a hora passar de tão empolgada que estava. Do lado de fora, fiquei esperando Zaher me buscar. Era estranho, pois estávamos no mesmo prédio escolar e em nenhum momento eu vi Zaher, mas acho que com a empolgação que sentia, nem tive tempo para pensar na minha irmã mais velha.
As crianças foram passando por mim e eu me despedia até mesmo daquelas que eu nem conhecia. Muitas das crianças iam para suas casas sozinhas, mas nós morávamos uns tantos quilômetros de caminhada e eu estava tão absorta que, mesmo que quisesse, não lembraria o caminho. As crianças foram indo embora e eu fui percebendo que o espaço ficava cada vez mais vazio.
Me dei conta de que só havia eu. Não acredito, estou sozinha. Zaher foi embora e me deixou aqui sozinha. Fiz o que qualquer criança abandonada faria: chorei o mais alto que pude. Desesperada, me agarrei ao portão da escola enquanto abria o berreiro. Algum adulto piedoso percebeu minha angústia e me levou para dentro. Expliquei que minha irmã era Zaher, e começaram a procurar por ela. Mil horas depois eu continuava chorando, até que Zaher apareceu, dando seu chilique de irmã mais velha, como se a culpa fosse minha por ela ter me abandonado.
— Onde você estava esse tempo todo? — ela perguntou.
— Estava te esperando, e você me abandonou.
— Pois era eu quem estava te esperando no lugar que mandei você ficar.
Uhm, então era isso que Zaher ficou falando o caminho todo. Pensei comigo, atenta para que minha irmã não ouvisse meus pensamentos. Existe uma possibilidade, apenas uma possibilidade, de que todo aquele blá blá blá eram, afinal, instruções sobre nosso ponto de encontro e que eu estava tão empolgada que acabei não ouvindo. Zaher resmungou o caminho todo de volta, mas fiz o que fazia de melhor: ignorei tudo que ela falou e fiquei pensando em quanto estava feliz e ansiosa para o próximo dia de aula.