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Foto do escritorSiqka

Revoluções Coloridas na Georgia: realidade ou fantasia no atual cenário?

Hoje (29 de outubro), li um artigo no Russia Today (RT) assinado por Fyodor Lukyanov, um analista de política internacional. Nele, Lukyanov explora a possibilidade de a Geórgia passar por mais uma "revolução colorida" — um termo que descreve mudanças de poder impulsionadas por movimentos populares, frequentemente apoiados por forças imperialistas internacionais e focados em deslocamentos geopolíticos. A questão que se impõe é: a Geórgia realmente está à beira de uma nova onda revolucionária?


Lukyanov observa que a situação em Tbilisi, onde os partidos de oposição pró-Ocidente rejeitam os resultados das eleições e convocam protestos, apresenta semelhanças com revoluções coloridas anteriores, como as ocorridas na Ucrânia, no Brasil, na Bolívia e na Venezuela. Segundo ele, para que essas revoltas tenham sucesso, duas condições são essenciais: a influência de um "patrono externo" — geralmente uma potência interessada em manter ou expandir sua esfera de influência — e a percepção por parte do governo de que tal patrono é a peça-chave, o que o tornaria relutante em antagonizar essas relações. No entanto, a atual realidade global apresenta um obstáculo: o Ocidente, especialmente em um momento de complexidade interna e conflitos em outras regiões, parece menos disposto a apoiar revoluções em países da antiga esfera soviética.


É interessante notar que a Geórgia é governada pelo partido Georgian Dream, que, apesar das críticas externas, alega ter o apoio da maioria da população, embora essa maioria seja menos vocal que a oposição pró-Ocidente. A política de Tbilisi tem se mostrado cada vez mais independente, desafiando parcialmente a influência ocidental — uma ousadia que Lukyanov considera impensável em épocas anteriores. Nesse ponto, discordo do autor. Embora revoluções coloridas frequentemente exijam uma certa vulnerabilidade e um desejo de alinhamento imediato com potências ocidentais, Lukyanov sugere que o governo georgiano parece determinado a não depender "exclusivamente" do Ocidente para seu futuro. Contudo, a meu ver — a milhares de quilômetros de distância — as constantes tentativas da Geórgia para ser aceita na União Europeia, que frequentemente são negadas, e o fato de que em suas principais cidades a bandeira da UE é hasteada em prédios públicos, hotéis e cafés, demonstram uma forte influência estrangeira. Isso se reflete também nas manifestações artísticas de rua, cujos grafites e pichações em línguas da União Europeia negam frequentemente o uso do próprio alfabeto e idioma georgiano (ou kartuli), único em sua singularidade.


Outro ponto levantado por Lukyanov é que a UE e os EUA expressaram desapontamento com o Georgian Dream, aplicando sanções e suspendendo qualquer progresso no processo de adesão à UE — uma medida que, na prática, era mais simbólica do que efetiva, uma vez que o processo não estava realmente avançando. A leitura ocidental do cenário georgiano é simplista, limitando-se a uma dicotomia entre "pró-Ocidente" e "pró-Rússia", sem considerar a complexidade interna do país.


Lukyanov menciona também um elemento de oposição dentro do próprio governo georgiano, com o presidente atuando como figura oposicionista. Essa dualidade é interessante, mas pode enfraquecer a coesão necessária para um levante revolucionário bem-sucedido. Assim, embora o ambiente possa ser instável, sem um interesse sólido de potências externas, as chances de uma nova revolução colorida parecem limitadas.


Tiblisi, Georgia


O artigo provoca reflexões sobre o papel das influências ocidentais e a capacidade de autodeterminação dos países da ex-esfera soviética, sugerindo que a Geórgia está em um momento de redefinição de sua posição no cenário global. Na ausência de um "patrono" externo comprometido com uma revolução, as possibilidades de uma mudança forçada são mínimas.


Por que, então, eu, a partir de tão longe, discordo de alguém que, obviamente, está mais próximo e preparado para analisar o assunto? A resposta reside na globalização, que rompeu diversas barreiras geográficas. Às vezes, um observador externo pode oferecer uma perspectiva diferente, que aqueles que estão imersos na situação podem não perceber ou estar relutantes em reconhecer. Quando ocorreu o golpe contra Dilma Rousseff no Brasil, por exemplo, vários jornais estrangeiros, como Prensa Latina, TeleSur e até mesmo El País, descreveram a "revolução colorida" com precisão, enquanto a maioria dos brasileiros não parecia pronta para reconhecer a realidade ou sequer entender a gravidade do que estava acontecendo.


A primeira vez que ouvi falar sobre revoluções coloridas ou guerras híbridas foi no livro de Andrew Korybko, que descreve com clareza os passos de ambos os fenômenos. Essa leitura me permitiu acompanhar os movimentos que ocorreram no Brasil durante o golpe, os quais incluíram a exaltação da "família" e o apego religioso como ferramentas de manipulação das massas — uma estratégia que ainda nos afeta. Características semelhantes podem ser observadas na Geórgia. A principal religião do país é o cristianismo, e a maioria da população é membro da Igreja Ortodoxa Georgiana, uma das mais antigas do mundo. Esta igreja desempenha um papel fundamental na cultura e identidade nacional georgiana e possui uma relação complexa com a Igreja Ortodoxa Russa. Embora ambas pertençam à tradição ortodoxa, a Igreja Georgiana é autocefálica, ou seja, é independente e não está sob a autoridade do Patriarcado de Moscovo. Contudo, a história de dominação russa sobre a Geórgia e as tensões políticas entre os dois países influenciam essa relação.


Apesar de algumas tentativas de influência por parte da Igreja Ortodoxa Russa, a Igreja Georgiana busca afirmar sua independência, o que se reflete em suas decisões e na maneira como aborda questões sociais e políticas. A Igreja Ortodoxa Georgiana possui uma forte identidade nacional, e muitos georgianos a veem como um símbolo de sua soberania e cultura, especialmente em um contexto de tensões geopolíticas com a Rússia.


Estátua da Mãe Geórgia (Kartlis Deda). Localizada no topo da colina de Sololaki. A Mãe Geórgia é apresentada segurando uma espada em uma mão, simbolizando a defesa do país, e um prato de vinho na outra, representando a hospitalidade do povo georgiano.



Portanto, assim como o movimento neopentecostal exerceu forte influência sobre a revolução colorida no Brasil, devemos ficar atentos às tendências políticas da Igreja Ortodoxa Georgiana. Afinal, embora nem todos os movimentos religiosos estejam livres de influências políticas, a maioria deles, de alguma forma, está sujeita a pressões locais ou estrangeiras.


Por fim, não pretendo desmerecer o artigo de Lukyanov ou minimizar a opinião do autor. Assim como ele, acredito ter a autoridade para discutir revoluções coloridas, afinal, também testemunhei uma de perto. Assim, que a Mãe da Georgia (Kartlis Deda) possa defender seu povo com sua espada, para que os georgianos consigam decidir o seu próprio destino, sem interferência estrangeira, seja da União Europeia, ou mesmo da Rússia.

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